O ex-embaixador britânico Alastair Crooke, diz num seu texto (1) que não é preciso ser hegeliano ou marxista para entender como as contradições acumuladas no ocidente são profundas e fundamentais.
Todo o Ocidente está com graves problemas financeiros. Pela primeira vez, há alguns anos, credores de dívida pública dizem que não estão dispostos a continuar a financiar os défices do RU e da França, é preciso que parem de gerar défices, têm de cortar gastos. A alternativa é tributar as empresas e os ricos, porque os outros não têm mais por onde tributar. No entanto, tributar empresas e ricos, não é apenas “inviável”, não é sequer discutível. Quanto ao governo americano, terá que gastar tanto em serviço de dívida como em defesa.
Portanto, não podem deixar de pagar aos credores, não podem tributar as empresas e os ricos, mas para manter a hegemonia têm de ter poder financeiro e bélico, com os EUA e a UE/NATO excitados a pedirem o aumento das despesas militares para guerras que não vencem nem sabem como terminar. As contradições económicas, sociais, geopolíticas do ocidente chegaram ao que em xadrez se designa por Zugzwang, é-se obrigado a movimentar as peças, mas qualquer movimento piorará a sua posição.
A guerra da Ucrânia está perdida. Centenas de milhares de pessoas morreram desnecessariamente. A guerra no Médio Oriente contra o Irão será perdida, dezenas de milhares de palestinos e libaneses terão morrido inutilmente. As guerras após o 11 de setembro para derrubar uma série de Estados (Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão, Irão, Iémen), não só não resultaram na consolidação da hegemonia dos EUA, como também levaram ao BRICS+ e a Kazan com uma longa lista de aspirantes a parceiros, prontos para enfrentar o neocolonialismo e imperialismo, mostrando que o Sul Global não aceita como universal a visão do ocidente.
Trump assumirá o cargo em janeiro; mas assumir o poder de facto será mais complexo. Os EUA transformaram-se em muitos feudos díspares – quase principados – da CIA até ao Departamento de Justiça e “agências” reguladoras, implantadas para preservar o controlo do sistema pela oligarquia.
Os EUA vivem numa bolha virtual criada por falsos profetas como o do "Fim da História" e pelo desvario neoliberal de Hayek e congéneres. A incapacidade de entender a História e a sua dialética está patente em Brzezinski (foi Assessor de Segurança Nacional com Carter) que em “A Era Tecnotrônica”, escreveu sobre “o surgimento gradual de uma sociedade que iria tornar-se a nova norma, uma sociedade mais controlada, dominada por uma elite, sem restrições aos valores tradicionais, praticando vigilância contínua sobre cada cidadão, juntamente com a manipulação dos seus comportamentos e do funcionamento intelectual de todas as pessoas”. Noutro lugar, Brzezinski argumentou que “o Estado-nação deixou de ser a principal força criativa. Os bancos internacionais e as corporações multinacionais agindo e planeando estão muito à frente dos conceitos políticos do Estado-nação”.
Brzezinski estava desastradamente errado, convencendo-se que com o fim da União Soviética em 1991, nenhum país ou grupo de países jamais ousaria enfrentar o poder dos EUA. A Rússia não teria outra escolha a não ser submeter-se à expansão da NATO e aos ditames dos EUA. Porém, a Rússia não sucumbiu. A euforia do “Fim da História” das ditas elites em 1991, levou o ocidente a iniciar a guerra na Ucrânia para provar que nenhum país poderia enfrentar o peso combinado da NATO. Acreditavam no destino messiânico ocidental. Não entendiam as opções que a Rússia tinha.
Na UE/NATO burocratas e governantes continuam a alinhar de cabeça perdida naqueles absurdos como se não houvesse alternativa. Querem bombardear infraestruturas no interior da Rússia, querem enviar tropas para a Ucrânia, querem que se dê mais dinheiro e armas para a Ucrânia, silenciando as possíveis consequências para os próprios países e sua população.
Putin na cimeira do BRICS foi dizendo para o Sul Global: vejam o que os EUA podem fazer com vocês. Protejam-se. Podemos estabelecer uma alternativa ao dólar: um sistema de liquidação e compensação financeira, o BRICS Clear, uma estrutura de resseguro e o BRICS Card, um sistema de cartão de débito.
Os EUA enfrentam as próprias contradições sistémicas internas, uma sociedade dividida, de crescentes desigualdades, endividada, desindustrializada. Um relatório da RAND afirmava claramente que a base industrial dos EUA não consegue dar resposta às necessidades de equipamentos, tecnologia e munições dos EUA e seus aliados. Um conflito prolongado, especialmente em vários palcos, exigiria uma capacidade muito maior e um orçamento de defesa radicalmente ainda maior. Portanto em Zugzwang...
1 - Fonte: As contradições bem fundamentais acumuladas do Ocidente
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