ESTADOS UNIDOS - UM IMPÉRIO DE GANGUES E CÚMPLICES
por Carlos MatosGomes
Nov 21, 2024
Meus
caros amigos, a ideia do Estado de Direito é bastante questionável. E a
existência de corpos especializados que estão fora da lei ao serviço
desses estados merece-me as maiores desconfianças. A democracia não se
faz com serviços secretos.
O
termo Império surge associado a poder, à conquista de um território, ao
domínio de um conjunto de nações e povos sujeitos a um soberano, que
assumia o título de imperador ou uma oligarquia. Desde a antiguidade até
à Segunda Guerra Mundial todos os impérios se caracterizaram pelas
vitórias dos seus exércitos sobre os exércitos inimigos e por imporem
uma lei. Os Estados Unidos da América que emergiram como o império
dominante no planeta na segunda metade do século XX, alteraram
radicalmente o conceito de império.
A
Segunda Guerra Mundial terminou com uma vitória partilhada entre os
Estados Unidos e a União Soviética, e esta partilha originou conflitos
militares entre os dois vencedores, em que os Estados Unidos foram
sistematicamente derrotados, mas em que conseguem impor o seu domínio
imperial por outros meios. Como o conseguiram e como o estão a perder?
O
primeiro grande confronto ocorreu na Coreia e terminou com uma situação
humilhante para os Estados Unidos, que não conseguiram vencer a União
Soviética, desgastada pela guerra, nem a China, a viver uma revolução e
dispondo de baixíssimas capacidades tecnológicas. A tentativa de invadir
Cuba pela Baía dos Porcos, com mercenários por conta da CIA, saldou-se
num desastre vergonhoso. A segunda guerra dos Estados Unidos, travou-se
na Indochina, esta aliada da União Soviética e da China, e terminou com a
derrota humilhante da retirada de Saigão pelo telhado da embaixada. No
Médio Oriente, a intervenção dos Estados Unidos na guerra Irão-Iraque
saldou-se num desastre que provocou a implantação do regime dos
ayatollas em Teerão, a invasão do Iraque, com a instalação do caos e a
selvática cena da decapitação de Saddam Hussein, a intervenção na Síria e
o saque à mão armada do petróleo pelas companhias americanas protegidas
pelo Exército americano, que ainda se mantém.
Após
os resultados desastrosos das intervenções militares do império no
Médio Oriente, Washington decidiu invadir e ocupar o Afeganistão, de
onde se retirou em fuga desordenada, à semelhança do que fizera no
Vietname. As armas do Afeganistão eram necessárias para atiçar o novo
regime pró-americano da Ucrânia contra a Rússia. Trocaram-se afegãos por
ucranianos no mercado dos interesses.
No
final de 2024, os Estados Unidos, a cabeça do império do Ocidente,
acumulam derrotas militares cujo rol está prestes a incluir a Ucrânia,
mas apresentam como troféus de vitória, os massacres do Camboja, na
Indonésia, na sequência do apoio a Suharto, e uma sucessão
impressionante de golpes que organizaram com agentes locais, militares, e
que deram origem às ditaduras do Chile, da Argentina, do Brasil, da
Bolívia, da Guatemala, do Paraguai, das Filipinas e até implantação de
regimes favoráveis, mas menos violentos, como foi o caso do 25 de
Novembro de 1975 em Portugal.
Os
analistas ocidentais, formatados na análise histórica da tradicional
formação dos Estados na Europa a partir de uma elite guerreira, que
assume um poder divino e impõe uma lei, tomaram e tomam a criação do
império americano como integrado nesta norma, porque são descendentes de
europeus (embora dos mais desqualificados socialmente). Ora, a formação
da “América” foi feita por esses imigrantes ignorando essas regras e
até em frontal conflito com elas. O grupo dirigente dos Estados Unidos,
os fundadores e os que se sucederam são chefes de gangues emigrados da
Europa e todo o poder é baseado na fidelidade pessoal e não em
princípios. O poder e o sucesso são definidos pelo direito de obter a
maior parcela possível de bens e de riqueza, e do domínio do maior
número de subordinados e fiéis. É um poder típico das matilhas. As
instituições servem os poderosos e os poderosos pagam aos agentes do
Estado para estes os servirem.
A
relação entre Trump e Elon Musk é a normalidade e não uma
excentricidade. É do mesmo tipo da que existiu entre Kissinger e Nixon,
os fundadores do código de conduta do império. No livro publicado em
abril de 1963 «A América continua a prestar as maiores honras a um dos
piores assassinos em massa: Henry Kissinger» o seu autor, Fred Branfman,
relata uma conversa de Kissinger com o Ministro dos Negócios
Estrangeiros da Tailândia em 26 de novembro de 1975, enquanto os Khmer
Vermelho levavam a cabo o genocídio no Camboja que levaria os seus
autores (Pol Pot) a serem julgados criminosos da humanidade. Kissinger
perguntou ao ministro tailandês “quantas pessoas o ministro Ieng Sary
matou? Dezenas de milhares… eu sei, mas você deveria dizer aos
cambojanos que seremos amigos deles. Eles são bandidos assassinos, mas
não deixaremos que isso atrapalhe as nossas relações. Estamos preparados
para melhorar as relações com eles. Diga-lhe a última parte, mas não
diga o que eu disse antes.”
Anteriormente,
em 1973, Kissinger já tinha definido o tipo de princípios que presidiam
ao império que ele e Nixon estavam a implantar ao referir-se ao golpe
do Chile, patrocinado pelos Estados Unidos e executado pela CIA. De
acordo com uma transcrição desclassificada de uma reunião em outubro de
1973, apenas duas semanas depois de Pinochet ter assumido o poder,
Kissinger afirmou aos diplomatas americanos que não deveriam colocar a
questão das violações dos direitos humanos pelos golpistas,
acrescentando: “Acho que devemos entender a nossa política: por mais
desagradável que eles sejam, o governo [Pinochet] é melhor para nós do
que Allende foi”. Ao justificar a sua decisão, Kissinger disse a um
membro da equipe do Comitê 40: “Ação secreta não deve ser confundida com
trabalho missionário.”
A
relação de Musk com Trump é a continuação de uma política de bando a
agir segundo os seus apetites. A recente proposta de Musk de diminuir o
poder do Estado Federal integra a lógica de deixar os gangues libertos
para imporem o seu poder sem restrições. A nomeação de juízes da sua
“cor” por parte do presidente é uma normalidade. Pagar eleições de
presidentes, senadores, representantes, juízes, procuradores,
governadores que sirvam os interesses de um dado gangue faz parte da
essência do regime.
Este
regime do Império rege-se interna e externamente pelas regras do gang
através de agentes — state agents e non.state agents — que atuam à
margem da lei e do qualquer controlo democrático sob a cobertura de
instituições respeitáveis perante a comunidade internacional. Nenhum
agente é julgado por qualquer crime, seja cometidos nos Estados Unidos,
seja no estrangeiro. Neste regime, o Exército Americano serve de
cobertura aos agentes da CIA que são quem, de facto, altera regimes,
organiza revoluções, elimina adversários, cria dirigentes fantoches.
Quem dirige as embaixadas americanas é o chefe da antena da CIA. O caso
de Portugal em 1975 é paradigmático, o embaixador Carlucci acumulava com
a chefia da antena da CIA. Também será, certamente homenageado no
próximo dia 25 de Novembro. E bem merece. Convém não o esquecer.
Desde
os anos 70 e da administração Nixon-Kissinger, o mundo viu-se
confrontado com um novo tipo de entidade política em que os serviços
secretos, gangs fora de qualquer controlo democrático e fora da alçada
da lei, recrutam e utilizam bandos locais para executarem as ações
políticas convenientes à oligarquia financeira dos Estados Unidos.
O
império dos Estados Unidos, em vez de forças nacionais, enquadradas,
sujeitas à lei, tem como forças de imposição do seu poder estruturas
tribais, religiosas, traficantes de drogas e seres humanos, assassinos
sob contrato. O império dos Estados Unidos assenta na força de um
exército fora da lei e do controlo de qualquer entidade democrática de
que são conhecidas a Alqaeda (os combatentes da liberdade de Reagan), o
Isis, os talibans, os paramilitares sulamericanos, os cartéis da droga. o
ELP, o MDLP em Portugal, os GAL em Espanha, a rede Gládio na NATO, a
Aginter Press entre a imensa tropa alugada para as diversa missões.
As
administrações de Nixon, Gerald Ford, de Bush, pai e filho, Clinton,
Obama, Trump e Biden geriram os mesmos gangues que provocaram o golpe de
Pinochet no Chile, o dos generais na Argentina e no Brasil, as
ditaduras das repúblicas das bananas, mas também a guerra na Ucrânia, o
rebentamento do gasoduto Stream2, ou o genocídio em GAZA.
Os
Estados Unidos da América são o primeiro e até agora o único império
que apenas sofreu derrotas militares, mas impôs o seu poder totalitário
em todos os continentes através de ações ínvias de traição e de
corrupção. Trump e os elementos do seu atual bando do MAGA já anunciados
não são uma excentricidade, são os representantes do sistema em que
assenta o poder dos Estados Unidos. Um tipo de poder que podemos
observar ao vivo em Israel. O poder em Israel é o da Mossad, como nos
Estados Unidos é o da CIA. Tudo o resto que é apresentado como o
“Estado” são executantes, fornecedores de serviços. Todas as leis são
circunstanciais. A Casa Branca e o Capitólio são a Disneylandia de
Washington onde os crentes acreditam residir o poder. O mesmo acontece,
para os católicos com a basílica de São Pedro, em Roma, onde não reside o
poder do Vaticano. O poder em Washington não reside nos militares
representados por uns “jarrões” em uniforme de gala que fazem
continências à entrada e saída do Presidente, o factótum do imperador
reside no bandido que conseguir impor a sua lei e transformar-se em
xerife.
A grande questão
do nosso tempo, é que o modelo de domínio assente nas ações encobertas
associadas a demonstrações de força convencional está a chegar ao fim.
Os serviços secretos e de desestabilização americanos já não conseguem
alterar regimes decisivos, como é visível no Irão e, por outro lado, as
forças regulares dos Estados Unidos não conseguem vencer nem a Rússia,
nem a China, nem sequer manter a Ucrânia! Os gangues que fizeram a
glória do império desde a Segunda Guerra sofrem a forte concorrência dos
gangues de outras potências e estão a ser derrotados. O reconhecimento
destas debilidades inultrapassáveis levou Trump a investir no mercado
interno, criando um bando eficaz e vencedor chefiado por Musk, pretende
terminar com a guerra na Ucrânia e diminuir a tensão no médio Oriente
onde a disputa é feroz e de resultados incertos. Um mau negócio.
Estamos
a assistir aos últimos foguetes da estratégia americana gizada por uma
agente da CIA, Vitória Nuland, a criadora da grande ilusão da Praça
Maidan, de Kiev. A retirada americana vai ser paga pelo ucranianos e os
palestinianos. A conta para os Europeus virá mais tarde e podemos
agradecê-la a Von Der Leyen, a Olaf Scholz, a Macron.
Em
Portugal, no dia 25 de Novembro, o Estado Português celebra uma vitória
de Kissinger, representante de um império de gangues, com um sangrento
currículo pelo mundo, que inclui, já agora a autorização da invasão de
Timor pela Indonésia, mas canonizado em Portugal como pai da democracia.
Uma cerimónia que devia envergonhar quem for de ter vergonha. Haverá na
assistência quem serviu de peão de Kissinger em Lisboa e que deu a cara
contra a invasão de Timor que ele patrocinou. São insondáveis os
desígnios do Senhor, diria um oficiante católico. Pois são.
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