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8 de junho de 2023

Certificados de desaforo

 António Filipe

Quando o Secretário de Estado do Tesouro vem dizer que o fim dos certificados de aforro que garantiam uma taxa de juros de 3,5 % não foi uma cedência aos bancos deve estar a tomar-nos a todos por parvos

O facto de o Governo ter acabado com os certificados de aforro da série E que garantiam uma taxa de juro de 3,5 % poucos dias depois dessa reivindicação ter sido feita pelos bancos é um dado objetivo. Aconteceu. Podemos ter várias interpretações. Para quem se fizer de ingénuo, os bancos sugeriram e o Governo acatou, para quem quiser ficar em cima do muro, os bancos exigiram e o Governo cedeu, para quem vive neste mundo e não gosta de ser enganado, os bancos mandaram e o Governo obedeceu.

Comecemos pela questão dos juros. Num país em que grande parte da chamada classe média está endividada com os encargos do crédito à habitação, os recentes aumentos da taxa de juro dos empréstimos à banca vieram agravar enormemente a taxa de esforço exigida aos endividados. Inflação alta, salários baixos e aumento das taxas de juro criaram uma tempestade perfeita para as economias familiares. Este aumento dos juros traduziu-se numa transferência direta de milhares de milhões de euros das famílias para a banca.

Acresce que as taxas exigidas pela banca aos seus clientes, por tudo e por nada, continuam em vigor e que a baixa remuneração dos depósitos bancários em Portugal, 0,9 %, é um escândalo nacional e internacional. Muito abaixo da média da União Europeia e mais abaixo ainda da mais elementar decência.

Não é, pois, de estranhar que em contraste com as dificuldades sentidas pela maioria dos portugueses os banqueiros se apresentem sorridentes nas conferências de imprensa em que anunciam milhares de milhões de lucros, representando aumentos espetaculares relativamente aos anos anteriores.

Se alguma vantagem as famílias da chamada classe média poderiam retirar do aumento das taxas de juro seria canalizar as suas poupanças para a aquisição de certificados de aforro. Perante uma taxa de remuneração quase nula dos depósitos bancários, os certificados de aforro, com um juro relativamente mais atrativo, foram vistos como uma forma de salvaguardar algumas economias depositadas nos bancos da perda de valor representada pela inflação.

Nestas circunstâncias, ninguém pode estranhar que tenha havido uma transferência significativa de depósitos bancários para os certificados de aforro. Dir-se-á que é o mercado a funcionar. Só que aqueles que mandam no mercado só gostam de o ver a funcionar quando as regras funcionam a seu favor. Logo, as ordens foram dadas - acabar com os certificados de aforro com juros a 3,5 % - e o Governo obedeceu.

E mais: não só acabou a emissão de certificados de aforro com juros a 3,5 % como os certificados com juros mais baixos passaram a ser vendidos também pelos bancos, que assim sempre embolsam mais umas comissões à custa do Estado. Dois em um, portanto.

Perante a estupefação gerada por esta medida, logo foram arregimentados os comentadores do costume em assuntos de economia para que se perceba de que lado estão. Ficámos então a saber que o Estado estava a pagar juros demasiado elevados pelos certificados de aforro e isso era mau para a economia, porque pagar juros de 3,5 % a pequenos aforradores nacionais pela compra de dívida pública era mau para os contribuintes. E assim, de uma penada, os subscritores de certificados de aforro passaram a ser tratados como se fossem especuladores à custa da dívida soberana nacional e inimigos dos contribuintes. Melhor para os bancos, perdão, para os contribuintes, é que a dívida pública, em vez de ficar nas mãos de pequenos aforradores nacionais fique na mão de especuladores internacionais.

Longe de mim a ideia de terçar armas com insignes comentadores de assuntos económicos que assentam arraiais na imprensa e nas televisões. Em matéria de economia, saberei pouco mais que Jesus Cristo que - segundo Fernando Pessoa - não sabia nada de finanças, mas mesmo assim, consta que expulsou os vendilhões do templo.

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