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9 de março de 2023

50 anos da Revolução de Abril

Uma batalha pelos seus valores e pela verdade contra a mentira

Domingos Abrantes


As comemorações do 50.º aniversário da Revolução de Abril já em curso revestem-se da

maior importância para o futuro do regime democrático e para a defesa dos valores de

Abril, consubstanciados nas grandes conquistas democráticas e delas inseparável – a

conquista da liberdade, as grandes transformações políticas, económicas, sociais e

culturais, a intervenção das massas populares nas várias áreas da vida nacional como

parte constitutiva do regime democrático consagrado na Constituição – e como condição

da existência de Portugal como país de amplas liberdades, verdadeiramente democrático,

desenvolvido, soberano e solidário com a luta de todos os povos.

O Comité Central na sua reunião plenária de 8 de Dezembro de 2022 definiu as

orientações e as tarefas que irão determinar a intervenção do Partido, que, de forma

autónoma, realizará numerosas iniciativas, tendo em conta o quadro político em que

vivemos, o posicionamento das diferentes forças políticas e sociais em relação ao 25 de

Abril e, naturalmente, em conformidade com a natureza do Partido que somos e o

projecto que defendemos para Portugal, o qual integra os valores de Abril, democracia

avançada, tendo como horizonte a construção de um Portugal socialista.

É de prever, e pelo que vimos, ouvimos, lemos e sabemos já se pode dizer, que teremos

como certo que as forças responsáveis por dezenas de anos de ataques aos valores de

Abril procurarão fazer das comemorações do 50.º aniversário de Abril uma grande

operação para deturpar, denegrir e falsificar a história da Revolução, a sua natureza e as

suas conquistas, no sentido de justificar as políticas de direita de restauração capitalista e

monopolista contra as suas conquistas e dar novo fôlego à acção e projectos contra-

revolucionários presentes praticamente desde o 25 de Novembro de 1975. Uma operação

visando o branqueamento do fascismo e a absolvição dos seus crimes e das forças que o

sustentaram, os grandes grupos económicos e financeiros, hoje de novo «donos disto

tudo»; a desvalorização da resistência ao fascismo; os ataques ao PCP, a força mais

consequente da Resistência e da instauração do regime democrático; o apagamento do

papel dos trabalhadores na luta contra o fascismo e na construção do Portugal

democrático; a sobrevalorização do papel de certos sectores – católicos, estudantes,

esquerdistas, forças ditas liberais afectas ao regime; a condenação das grandes

conquistas democráticas – direitos dos trabalhadores, controlo operário, reforma agrária,

nacionalizações, política de soberania nacional –, apelidadas de ameaças à liberdade e à

democracia e salvas pelo golpe do 25 de Novembro, que pretendem impor como a

verdadeira data da conquista da liberdade e da democracia.

Para nós, comunistas, o 50.º aniversário da Revolução será encarado como um muito

importante momento de esclarecimento; de acção em defesa da natureza da Revolução

de Abril, da validade das suas experiências e resultados, uma batalha pela compreensão

do que foi a Revolução, e por que foi assim, afirmando o seu carácter libertador e

emancipador pela profundidade e natureza das transformações que operou no país em

todas as áreas.

O facto da natureza da Revolução ter sido determinada pela intervenção das massas

populares, e em particular pela intervenção autónoma dos trabalhadores em defesa dos

seus interesses e do país e não em defesa dos interesses dos «de cima», tornaram a

Revolução de Abril um dos maiores acontecimentos da longa luta dos trabalhadores pela

sua emancipação social e da nossa história colectiva como povo.

Vamos comemorar o 50.º aniversário de Abril como sempre o fizemos: com os olhos

postos no futuro.

Entretanto, é necessário socorrermo-nos em factos históricos contra as falsificações que

já estão em curso. Trata-se de nos centrarmos nas questões nucleares: a defesa da

natureza da Revolução e das forças que determinaram os seus resultados, questão

essencial para se compreender o papel e a natureza da acção contra-revolucionária e do

porquê de terem erigido o PCP à condição de principal obstáculo aos seus projectos.

O papel determinante do PCP e dos trabalhadores foi o que determinou a natureza

libertadora e emancipadora da Revolução de Abril, não como resultado de manobras, de

tentativas de impor uma nova ditadura, como caluniosamente nos acusam, sabendo-se

que nenhuma outra força se pode equiparar à luta dos comunistas pela liberdade.

A natureza da Revolução foi determinada por razões objectivas, desde logo pela natureza

do regime fascista e pelo papel que o PCP e os trabalhadores tiveram na resistência ao

fascismo.

O PCP é a única força política que não esquece o papel determinantes que os militares

do MFA tiveram no derrube da ditadura fascista e na conquista da liberdade. Este é o

mérito imorredouro dos militares de Abril. O derrube do fascismo, a instauração do regime

democrático constitucionalmente consagrado é inseparável da longa e heróica resistência

ao fascismo, inclusive o amadurecimento e desenvolvimento das contradições que

atingiram as forças armadas, uma das principais bases da garantia da sobrevivência do

regime durante décadas. A transformação do golpe militar em Revolução não foi um

momento foi um processo, ainda que contraditório e de desfecho incerto. O derrube da


ditadura não significou a liquidação do fascismo, o que só aconteceu quando, a par da

liquidação do poder político, se realizou a liquidação do poder económico que o

suportava, assente nos grandes grupos económicos, financeiros e latifundiários, os

grandes beneficiários e sustentáculos do fascismo.

O PCP, os trabalhadores e as mais amplas massas populares, em aliança com os

elementos mais progressistas do MFA, foram determinantes para transformar o golpe

militar na Revolução antifascista emancipadora e ser o que foi: uma revolução

democrática-nacional. Está muito esquecido que até ao golpe de 28 de Maio de 1926

existia um sistema multipartidário e que o único partido que não desertou, que não

hibernou à espera de melhores dias, nem se auto-dissolveu, como foi o caso do PS, foi o

PCP.

Cabe ao Partido Comunista Português o mérito de, na base da análise da natureza de

classe do fascismo, ter determinado que não só era necessário como era possível lutar

contra o fascismo e vencer, desde que se criasse uma organização clandestina que se

dispusesse a suportar os custos da luta que, necessariamente, seria longa.

Consequentemente, o PCP foi a única força que elaborou uma estratégia de luta

antifascista e encabeçou a resistência.

Contrariamente a outros sectores da oposição que «sonhavam» com transformações

políticas – não poucas vezes pensadas na base de compromissos com sectores do

regime, mantendo intacto o essencial do aparelho do Estado fascista, o seu poder

económico expresso na fusão do Estado com os grandes grupos económicos e

financeiros, na continuada submissão ao imperialismo, com garantia dos seus interesses

de classe e anti-nacionais, esquecendo-se de que a sobrevivência da ditadura fascista

depois da derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial se deveu decisivamente

ao suporte político, económico, militar e diplomático da parte das potências imperialistas

–, o PCP concluiu que sendo o regime fascista a ditadura terrorista dos monopólios,

associados ao capital estrangeiro, e dos latifundiários só podia ser derrubado pela força, e

que a par da solução do problema político nacional se impunha liquidar o poder do regime

pela via das nacionalizações, da reforma agrária e de uma política que desse resposta

aos problemas do povo e do país e libertando Portugal do domínio estrangeiro. O PCP

incorporou nos seus princípios que não pode ser livre um povo que oprime outros povos.

Sendo uma realidade o facto de Portugal ser simultaneamente um país colonial e

colonizado, a construção de um Portugal democrático e soberano era inseparável da

liquidação do sistema colonial. O PCP era a única força que dispunha de um Programa e

de uma estratégia para a revolução antifascista, o Programa para a Revolução


Democrática e Nacional aprovado em 1965 no seu VI Congresso, ou seja, nove anos

antes da Revolução de Abril. De igual modo, o PCP era a única força política cujos

objectivos estavam expressos claramente antes do derrube da ditadura e actuava em

conformidade com o seu Programa. O mesmo não se pode dizer de outras forças que

esconderam os seus reais objectivos à espera da primeira oportunidade de retomar a

defesa dos grandes interesses económicos dominantes.

A Revolução de Abril mudou profundamente Portugal, colocando-o na senda da

emancipação social e do progresso, e o Portugal de hoje, continuando a reflectir o

impacto das conquistas de Abril, não traduz o país que poderia ter sido em resultado da

acção de tais forças.

A prova da justeza das teses do PCP e da validade das conquistas da Revolução para a

construção de uma democracia avançada podem ser aferidas pelo que representa a

política de direita contra Abril: restauração do poder dos grandes grupos económicos e

financeiros e dos agrários; o domínio imperialista; a destruição das mais importantes

conquistas, como as nacionalizações e a reforma agrária e a retoma crescente da

promiscuidade entre o poder político e o económico. Toda uma acção visando fazer

retroceder tudo o que foi progresso social e civilizacional de Abril, criando as condições

para uma sociedade cada vez mais polarizada socialmente, com degradação dos serviços

públicos; a intensificação da exploração e o sistemático ataque aos direitos dos

trabalhadores. Portugal que restaurou a dignidade nacional com a Revolução de Abril,

que inscreveu nos seus princípios constitucionais a paz e a amizade com todos os povos

e a solidariedade com a sua luta, torna-se um peão de brega do imperialismo e do

militarismo, participa em guerras de agressão contra outros países. A defesa da soberania

e os interesses nacionais deram lugar à subserviência e submissão perante os interesses

do imperialismo, incluindo os seus projectos neocoloniais, quando a Revolução de Abril,

coroando a longa luta comum do povo português e dos povos das colónias contra o

fascismo e o colonialismo, abriu caminho para a liquidação do império colonial português

e a independência dos povos colonizados por Portugal – uma conquista de alcance

histórico.

O papel dos trabalhadores, das suas organizações de classe e das massas populares na

Revolução tem estado muitas vezes, senão desde sempre, no centro do confronto

ideológico, das falsificações históricas, do anticomunismo e da mentira. Lembremos que

as suas grandes crise políticas, no alinhar de quem era quem pela Revolução e pela

contra-revolução, se manifestaram em torno da Unicidade Sindical e do Dia do

Trabalhador, o 1.º de Maio de 1975.


É um facto comprovado pela realidade que a Revolução de Abril com as suas conquistas

é inseparável da intervenção dos trabalhadores e das mais amplas massas populares na

construção de Portugal democrático e na sua defesa. As massas populares saudaram

efusivamente a conquista da liberdade e o MFA. Mas gritaram igualmente «Fascismo

nunca mais», exigiram que se liquidasse o Estado fascista, que fossem dadas respostas

aos seus anseios e necessidades. E, sobretudo, começaram a intervir para dar solução

aos seus problemas e do país. Foi pela acção das massas que foram infligidas as

primeiras derrotas das tentativas spinolistas de conter as alterações ao regime: a

libertação dos presos, o desmantelamento da PIDE, o feriado o 1.º de Maio, o direito de

organização e manifestação e muitos outros direitos.

Uma afirmação fazemos que nenhuma elucubração teórica ou fantasia revolucionária

pode desmentir à luz dos factos: todas as grandes conquistas democráticas foram «filhas

da acção revolucionária das massas». Não foi a Constituição que determinou as grandes

conquistas da Revolução, foram estas que determinaram a natureza avançada da

Constituição da República.

Na longa história da luta dos trabalhadores portugueses contra a exploração e pela

liberdade e pela emancipação, as grandes conquistas democráticas alcançadas com a

Revolução figurarão como uma das suas mais gloriosas páginas.

A natureza da intervenção dos trabalhadores na Revolução só se tornou possível pela sua

intervenção autónoma, com as suas reivindicações próprias e em defesa dos seus

interesses próprios.

É uma falsificação histórica as afirmações de alguns de que a intervenção das massas na

construção do seu próprio destino tenha sido o resultado da irresponsabilidade, do

voluntarismo, de manobras anti-democráticas, ou de processos espontâneos das massas,

como afirmam outros empenhados em desvalorizar o papel do PCP e da classe operária

na resistência e na Revolução como sendo indissociáveis.

Os trabalhadores sob a orientação política e orgânica do PCP foram a força mais

determinante na luta contra o fascismo, expressa em milhares de lutas que forjaram

numerosos dirigentes que encabeçaram a acção das transformações revolucionárias após

o derrube da ditadura. Caiu no mais profundo silêncio não só este facto, mas igualmente a

grandiosidade da luta operária nos anos 60 e o movimento grevista que se desenvolveu

até às vésperas do 25 de Abril. Lembre-se igualmente que as comemorações do 1.º de

Maio se tenham afirmado desde 1962 como a principal jornada de luta antifascista e a

classe operária como vanguarda reconhecida.


E, finalmente, necessário é lembrar que a intervenção organizada das massas na

Revolução de Abril não se pode separar da existência de uma vasta rede de comissões

de trabalhadores, de se ter formado em plena ditadura a Intersindical como Central

Sindical Única dos trabalhadores portugueses. Uma realidade que a contra-revolução

compreendeu muito bem ao erigir como tarefa primeira a liquidação do movimento dos

trabalhadores como força organizada e unida.

As acusações de que o PCP só se empenhou na aprovação da Constituição como mal

menor, alterada a correlação de forças, inscrevem-se ma táctica do «agarra que é

ladrão». O PCP tinha inscrito há longos anos no seu Programa como um dos objectivos

da revolução antifascista a eleição de uma Assembleia Constituinte com a função de

elaborar e aprovar uma Constituição democrática. A defesa da legitimidade

revolucionária, resultante das condições em que se deu o derrube do fascismo e tornou

possível as grandes conquistas de Abril não alterou o facto de que comunistas e o PCP

tenham sido grandes obreiros da elaboração da Constituição que consagrou o regime

democrático saído da Revolução. A verdade histórica é que outras forças que não o PCP

tudo fizeram para, alterada a correlação de forças depois do 25 de Novembro, impedir a

aprovação da Constituição e a votaram a pensar em momentos mais propícios para a

desfigurar. Não se pode ignorar que essas forças – PS, PSD, CDS –, a base da contra-

revolução e da política de recuperação capitalista e latifundista, têm feito das sucessivas

revisões da Constituição a consagração da política de liquidação das grandes conquistas

democráticas impostas pela acção revolucionária das massas. O mesmo fizeram os seus

governos durante dezenas de anos.

A abertura de mais um processo de revisão constitucional por iniciativa da direita tem em

vista os objectivos de todas as revisões realizadas até hoje: o desvirtuamento e mutilação

da Constituição da República, do seu texto e projecto e dos direitos que consagra. O PS,

ao admitir e dar cobertura à possibilidade de novas alterações à Constituição, assume

uma grave opção para o regime democrático. Uma opção que se pode tornar num troféu

para a direita numa altura em que se comemora o 50.º aniversário da Revolução.

Os objectivos da contra-revolução foram-se ampliando passo a passo. Hoje a mudança

do regime saído da Revolução de Abril é posta de forma mais clara e insistentemente,

ainda que sob a mentira de serem necessários aperfeiçoamentos que respondam aos

novos tempos e outras mistificações com que cobrem os verdadeiros objectivos políticos.

A mentira, as actuações pouco éticas não são questões acidentais. São praticamente

elevadas à categoria de «princípio democrático».


É uma verdade histórica que o PS, PSD e mesmo o CDS (os partidos que governam o

país há décadas) rasgaram os seus programas, dizem exactamente o contrário do que

disseram outrora sobre a Revolução, os monopólios, o capitalismo, o socialismo, a NATO,

a reforma agrária, os direitos dos trabalhadores, etc. O capitalismo classificado como

«uma força opressora brutal» e que se impunha «a luta pela sua destruição total» – como

defendia o PS – deu lugar à defesa (e à gestão do capitalismo monopolista) como o

melhor dos mundos possíveis. As tiradas grandiloquentes sobre a reforma agrária, a

liquidação dos monopólios e a construção de uma sociedade sem classes, de um

Portugal soberano, afinal não passavam de tiradas para enganar as massas. E não foi

Mário Soares que jurou por todos os santinhos que jamais faria alianças com a direita? E

não se pense que são coisas do passado.

As alianças do PS com a direita nas coisas essenciais e determinantes tornaram-se uma

realidade ao longo dos anos. Os defensores da privatização da TAP hoje são

exactamente os mesmos que ainda não há muito tempo classificavam essa medida quase

como um crime contra os interesses nacionais.

O PSD, em matéria de recurso à mentira política, não fica nada a dever ao PS. De

defensor da «manutenção dos sectores-chave e indústrias básicas na posse do Estado,

passou a paladino das privatizações e as nacionalizações como um crime.

O Partido Comunista Português foi e é o único partido que actua em conformidade com o

projecto de sociedade que defende. Sabemos os meios colossais ao serviço da mentira

política, realidade que não pode ser subestimada. Mas a mentira política pode atrasar o

desenvolvimento da consciência das massas e de alguns sectores sociais, mas não darão

resposta aos problemas reais com que o país e o povo se defrontam.

A incorporação dos valores de Abril mo Portugal do futuro exige que se trave com

determinação a batalha contra a mentira e o revisionismo histórico. Uma batalha que só

pode ser ganha com o PCP e nunca contra o PC, a força que mais se identifica com Abril.

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