Constituição
O que
importa é cumprir o seu projecto de futuro
A Constituição da República Portuguesa é resultado da Revolução do 25 de Abril e consagrou as suas conquistas e valores, traduzindo a dinâmica do processo revolucionário. Apesar do empobrecimento do texto constitucional e das mutilações que sofreu em sucessivas revisões da responsabilidade de PS, PSD e CDS, a Constituição continua a ser um instrumento de intervenção na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo. Nos direitos e projecto que consagra, na concepção ampla de democracia que continua a inscrever – considerada nas suas dimensões política, económica, social e cultural –, a Constituição continua a apontar um caminho de solução dos problemas nacionais e de construção de um futuro de progresso, desenvolvimento e justiça social.
A exigência do seu cumprimento é parte da luta por uma política alternativa, patriótica e de esquerda e não é tarefa que caiba apenas aos comunistas, antes exige a mobilização de todos os democratas e patriotas genuinamente preocupados com a situação do país e empenhados na ruptura com a política de direita e na concretização da alternativa.Constituição,
Revolução e contra-revolução
A
Constituição é inseparável da Revolução de Abril. Essa relação explica porque
se tornou alvo da ofensiva contra-revolucionária e ajuda a compreender o lugar
que a nossa Lei fundamental ocupou e ocupa no confronto entre as forças da
revolução e da contra-revolução, entre as forças que defendem os valores de
Abril e as que querem liquidá-los. Um confronto que tem na sua origem a
natureza da Revolução portuguesa e as suas conquistas.
Relembrando
as palavras do camarada Álvaro Cunhal, continua a ser útil recomendar que «quem
queira saber o que foi a Revolução de Abril leia a Constituição aprovada e
promulgada em 2 de Abril de 1976», «ela significa a institucionalização em
termos constitucionais da Revolução de Abril».
No
seu texto original, a Constituição enquadrava a nova realidade nacional
resultante do processo libertador da Revolução de Abril, do derrubamento do
fascismo e da conquista da liberdade e da democracia, inscrevendo as conquistas
alcançadas pelos trabalhadores e o povo entre 1974 e 1976 e reflectindo a dinâmica
do processo revolucionário e a evolução da correlação de forças sociais e
políticas ao longo desses anos.
Os
objectivos colocados pela luta contra a ditadura e na acção revolucionária
desenvolvida a partir da aliança Povo-MFA conduziram à concretização de um
valioso conjunto de medidas a favor dos trabalhadores e do povo. A
correspondência das conquistas da revolução com as necessidades e aspirações
das massas populares foi de tal ordem e ganhou tamanha força material que os
seus inimigos não conseguiram impedir que aquelas conquistas viessem a ser
consagradas no texto constitucional.
É
isso que justifica, naquilo que constitui uma originalidade do processo
revolucionário português, que no quadro político que se vivia em 1976 tenha
sido aprovada uma Constituição em que os trabalhadores e o povo português viram
reflectidos os seus direitos, as suas aspirações, as conquistas e profundas
transformações que protagonizaram no período revolucionário, incluindo a
liquidação do capitalismo monopolista de Estado, a nacionalização dos
monopólios, a realização da reforma agrária, a construção do Poder Local
democrático, a conquista de importantes direitos económicos e sociais.
Tal
como aconteceu durante o processo revolucionário, também em relação à Constituição
há quem tudo tenha feito para, primeiro, travar a sua aprovação e,
posteriormente, impedir a sua aplicação e concretização ou limitar e reduzir o
alcance das suas normas.
Aqueles
que nunca se conformaram com o projecto libertador e emancipador de Abril, os grandes
grupos económicos e financeiros, os latifundiários, as forças políticas e
sociais conservadoras e retrógradas, continuam a ver na Constituição um
obstáculo à reconstituição do seu poder e à satisfação dos seus interesses. A
partir desse posicionamento têm desenvolvido, ao longo de décadas, uma intensa ofensiva
política e ideológica assacando à Constituição a responsabilidade pelos
problemas do país, impedindo o seu cumprimento e, na medida das possibilidades
de cada conjuntura, levando mais longe a subversão do seu projecto e a negação
dos seus valores. Isto inclui a acção de quem, ao longo de quase cinco décadas,
fez juras de amor à Constituição ao mesmo tempo que contribuía para a sua
mutilação ou limitava a sua concretização, fazendo-se esquecido de tudo quanto
ela comporta de projecto mas também de força efectiva na opção de defesa dos
interesses e direitos dos trabalhadores e do povo e da soberania nacional.
Na
ofensiva desenvolvida contra a Constituição inclui-se a acção concertada da direita
e do PS nas sete revisões constitucionais que promoveram mas também as práticas
políticas dos seus governos, contrárias ao texto
constitucional, que se apressaram depois a legalizar nas
sucessivas revisões.
Práticas
políticas que assumiram os desejos do grande capital e os seus objectivos de
liquidação dos direitos dos trabalhadores, de destruição dos direitos
económicos, sociais e culturais do povo português, de abandono das funções
sociais do Estado e sua mercantilização, de reconfiguração do Estado e
descaracterização profunda da democracia política.
Práticas
políticas de governos que orientaram as suas opções para a restauração,
consolidação e reforço do capital monopolista, à custa do património público,
sucessivamente alienado, tal como os instrumentos de intervenção e condução das
políticas económicas, deixando aos grupos económicos caminho aberto para o
domínio da economia do País e para a concentração e centralização de capitais.
Foram
essas opções e políticas de fundo que orientaram a acção de PS e PSD e o apoio
do CDS nas sucessivas revisões da Constituição da República, contando então com
o apoio daqueles que hoje se apresentam nas fileiras da Iniciativa Liberal e do
Chega.
É
isso que está na origem da eliminação ou descaracterização de aspectos
fundamentais da Constituição abrindo caminho ao desastroso processo de
privatizações, à alienação da soberania nacional a favor das instituições
supranacionais da União Europeia, à inviabilização prática da regionalização, à
liquidação de transformações revolucionárias alcançadas com a revolução de
Abril como a Reforma Agrária ou o controlo operário.
É
isso que volta a estar na origem de mais um processo de revisão constitucional.
A
abertura pelo Chega do processo de revisão constitucional que está em curso e o
conteúdo concreto dos projectos apresentados por PSD, IL e Chega comprovam que
o sentido desta revisão constitucional é determinado pelo ataque ao regime
democrático e aos direitos fundamentais e pelo objectivo de dar cobertura
constitucional à política de direita, mutilando e subvertendo a Constituição.
Essa apreciação resulta, não tanto da circunstância de ter sido o Chega a
desencadear o processo de revisão mas, sobretudo, do conteúdo concreto dos
projectos apresentados, designadamente com a apresentação de propostas que
deliberadamente branqueiam o fascismo; que admitem a limitação de liberdades
com a facilitação do recurso ao estado de excepção; que legalizam a devassa de
informações relativas às comunicações dos cidadãos por parte dos serviços de
informações; que condicionam o pluralismo da expressão política democrática
limitando as possibilidades de representação institucional; que eliminam
direitos das comissões de trabalhadores; que apagam as responsabilidades do
Estado e liquidam direitos sociais na saúde, na educação ou na habitação,
substituindo os direitos pela lógica do negócio apenas ao alcance de quem o
possa pagar.
Ao
admitir e dar cobertura à possibilidade de alteração da Constituição na
sequência deste processo de revisão constitucional, o PS assumiu uma opção com
consequências graves na vida nacional e que ameaça os direitos dos
trabalhadores e do povo, a democracia e o futuro do País.
Contra
o retrocesso, um projecto de futuro
Com
toda a certeza que quem promoveu as sucessivas revisões constitucionais
desejaria ter levado mais longe os seus objectivos de descaracterização da
Constituição. E se o não conseguiu isso deve-se à profundidade das
transformações alcançadas com o 25 de Abril, à sua correspondência com as
aspirações e anseios populares, ao enraizamento que os direitos conquistados
com Abril continuam a ter nas massas populares. É isso que explica que as
forças reaccionárias não tenham conseguido apagar o projecto de democracia
avançada que a Constituição da República projecta para o futuro de Portugal e
que a Constituição se mantenha como uma referência para um verdadeiro projecto
de desenvolvimento soberano do País.
Ao
contrário do que dizem os seus inimigos e detractores, a Constituição da
República Portuguesa não é uma Constituição ultrapassada nem está na origem dos
problemas nacionais. Pelo contrário, é o seu incumprimento e a subversão do seu
projecto e valores que estão na origem desses problemas.
Se
a Constituição fosse respeitada nos seus princípios, se fosse concretizada na
sua concepção ampla de democracia política, económica, social e cultural, se os
direitos e projecto que consagra fossem realidade, Portugal seria um país
diferente para melhor, mais desenvolvido, com menos injustiças e desigualdades
sociais, com melhores condições para enfrentar os desafios que o futuro coloca.
O
pleno emprego e um salário digno, as condições para uma infância feliz e a
protecção na velhice, os cuidados de saúde e educação de qualidade, as
condições para a livre criação artística não são sonhos do passado. A
organização da economia e da produção para a satisfação das necessidades do
povo, o desenvolvimento científico e tecnológico, a distribuição justa da
riqueza criada, um país equilibrado e sem assimetrias regionais não são aspirações
ultrapassadas. Tudo isso é projecto de futuro que a Constituição enquadra com
opções que correspondem aos interesses da maioria do povo e não da minoria que
detém o poder económico.
A
prova de actualidade da Constituição e do seu carácter avançado e progressista
pode ser feita pondo-a em confronto com as opções políticas que caracterizam a
acção de sucessivos governos PS, PSD e CDS.
Sempre
que um governo decidiu (ou decide) encerrar um serviço de saúde, cortar um
apoio social, negar o direito à habitação, impor a perda de poder de compra de
salários e pensões, entregar uma empresa ou sector estratégico a um grupo
económico, cada uma dessas opções é feita subvertendo princípios e valores
constitucionais e contrariando o projecto que a Constituição consagra. Em
sentido contrário, se amanhã um governo patriótico e de esquerda decidir
aumentar salários e pensões, alargar prestações sociais, reforçar a capacidade
de resposta dos serviços públicos, garantir o controlo público de empresas e
sectores estratégicos, apoiar e desenvolver a produção nacional, qualquer uma
dessas opções encontrará na Constituição uma referência para a sua
concretização e não um obstáculo.
Desafio
e tarefa para todos os democratas e patriotas
A
política patriótica e de esquerda, verdadeira política alternativa capaz de
resolver os problemas nacionais e assegurar o desenvolvimento soberano do país,
encontra na Constituição um quadro de referência para a sua concretização.
No
cumprimento da Constituição encontra-se o sentido da resposta aos problemas
imediatos que atingem o povo e o país mas também o sentido de uma política
alternativa que enfrente os graves problemas estruturais nacionais.
A
prioridade é cumprir a Constituição e o que ela consagra nos direitos à
habitação, à saúde, à educação, à protecção social, à cultura. É garantir que
são concretizados e respeitados os direitos dos trabalhadores, dos reformados,
das crianças e dos jovens. É criar condições para uma efectiva igualdade
combatendo o racismo, a xenofobia e todos os tipos de desigualdades e
discriminações, tal como a Constituição prevê. É cumprir o projecto que a
Constituição comporta de um país soberano, desenvolvido, democrático, de
respeito e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, de participação
popular na vida democrática nacional, de um país que desenvolve as suas
relações internacionais a partir de uma política de paz, amizade e cooperação
entre os povos.
Essas
são as verdadeiras prioridades relativamente à Constituição e elas convocam a
intervenção e mobilização de todos os democratas e patriotas para a sua
concretização.
Pelo
carácter avançado e progressista que preserva, o conteúdo do texto
constitucional continua a ser elemento de convergência dos patriotas e
democratas que aspiram a um Portugal desenvolvido, de progresso e justiça
social.
Os
trabalhadores e o povo têm na Constituição uma arma de defesa dos seus
direitos, um projecto para o futuro das suas vidas e do seu país.
É
papel dos comunistas fazer convergir essas forças na exigência do cumprimento e
aprofundamento da Constituição.
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