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8 de março de 2023

A Constituição

Constituição

O que importa é cumprir o seu projecto de futuro

 João Oliveira

A Constituição da República Portuguesa é resultado da Revolução do 25 de Abril e consagrou as suas conquistas e valores, traduzindo a dinâmica do processo revolucionário. Apesar do empobrecimento do texto constitucional e das mutilações que sofreu em sucessivas revisões da responsabilidade de PS, PSD e CDS, a Constituição continua a ser um instrumento de intervenção na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo. Nos direitos e projecto que consagra, na concepção ampla de democracia que continua a inscrever – considerada nas suas dimensões política, económica, social e cultural –, a Constituição continua a apontar um caminho de solução dos problemas nacionais e de construção de um futuro de progresso, desenvolvimento e justiça social.

A exigência do seu cumprimento é parte da luta por uma política alternativa, patriótica e de esquerda e não é tarefa que caiba apenas aos comunistas, antes exige a mobilização de todos os democratas e patriotas genuinamente preocupados com a situação do país e empenhados na ruptura com a política de direita e na concretização da alternativa.

 

Constituição, Revolução e contra-revolução

 

A Constituição é inseparável da Revolução de Abril. Essa relação explica porque se tornou alvo da ofensiva contra-revolucionária e ajuda a compreender o lugar que a nossa Lei fundamental ocupou e ocupa no confronto entre as forças da revolução e da contra-revolução, entre as forças que defendem os valores de Abril e as que querem liquidá-los. Um confronto que tem na sua origem a natureza da Revolução portuguesa e as suas conquistas.

Relembrando as palavras do camarada Álvaro Cunhal, continua a ser útil recomendar que «quem queira saber o que foi a Revolução de Abril leia a Constituição aprovada e promulgada em 2 de Abril de 1976», «ela significa a institucionalização em termos constitucionais da Revolução de Abril».

No seu texto original, a Constituição enquadrava a nova realidade nacional resultante do processo libertador da Revolução de Abril, do derrubamento do fascismo e da conquista da liberdade e da democracia, inscrevendo as conquistas alcançadas pelos trabalhadores e o povo entre 1974 e 1976 e reflectindo a dinâmica do processo revolucionário e a evolução da correlação de forças sociais e políticas ao longo desses anos.

Os objectivos colocados pela luta contra a ditadura e na acção revolucionária desenvolvida a partir da aliança Povo-MFA conduziram à concretização de um valioso conjunto de medidas a favor dos trabalhadores e do povo. A correspondência das conquistas da revolução com as necessidades e aspirações das massas populares foi de tal ordem e ganhou tamanha força material que os seus inimigos não conseguiram impedir que aquelas conquistas viessem a ser consagradas no texto constitucional.

É isso que justifica, naquilo que constitui uma originalidade do processo revolucionário português, que no quadro político que se vivia em 1976 tenha sido aprovada uma Constituição em que os trabalhadores e o povo português viram reflectidos os seus direitos, as suas aspirações, as conquistas e profundas transformações que protagonizaram no período revolucionário, incluindo a liquidação do capitalismo monopolista de Estado, a nacionalização dos monopólios, a realização da reforma agrária, a construção do Poder Local democrático, a conquista de importantes direitos económicos e sociais.

Tal como aconteceu durante o processo revolucionário, também em relação à Constituição há quem tudo tenha feito para, primeiro, travar a sua aprovação e, posteriormente, impedir a sua aplicação e concretização ou limitar e reduzir o alcance das suas normas.

Aqueles que nunca se conformaram com o projecto libertador e emancipador de Abril, os grandes grupos económicos e financeiros, os latifundiários, as forças políticas e sociais conservadoras e retrógradas, continuam a ver na Constituição um obstáculo à reconstituição do seu poder e à satisfação dos seus interesses. A partir desse posicionamento têm desenvolvido, ao longo de décadas, uma intensa ofensiva política e ideológica assacando à Constituição a responsabilidade pelos problemas do país, impedindo o seu cumprimento e, na medida das possibilidades de cada conjuntura, levando mais longe a subversão do seu projecto e a negação dos seus valores. Isto inclui a acção de quem, ao longo de quase cinco décadas, fez juras de amor à Constituição ao mesmo tempo que contribuía para a sua mutilação ou limitava a sua concretização, fazendo-se esquecido de tudo quanto ela comporta de projecto mas também de força efectiva na opção de defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo e da soberania nacional.

Na ofensiva desenvolvida contra a Constituição inclui-se a acção concertada da direita e do PS nas sete revisões constitucionais que promoveram mas também as práticas políticas dos seus governos, contrárias ao texto constitucional, que se apressaram depois a legalizar nas sucessivas revisões.

Práticas políticas que assumiram os desejos do grande capital e os seus objectivos de liquidação dos direitos dos trabalhadores, de destruição dos direitos económicos, sociais e culturais do povo português, de abandono das funções sociais do Estado e sua mercantilização, de reconfiguração do Estado e descaracterização profunda da democracia política.

Práticas políticas de governos que orientaram as suas opções para a restauração, consolidação e reforço do capital monopolista, à custa do património público, sucessivamente alienado, tal como os instrumentos de intervenção e condução das políticas económicas, deixando aos grupos económicos caminho aberto para o domínio da economia do País e para a concentração e centralização de capitais.

Foram essas opções e políticas de fundo que orientaram a acção de PS e PSD e o apoio do CDS nas sucessivas revisões da Constituição da República, contando então com o apoio daqueles que hoje se apresentam nas fileiras da Iniciativa Liberal e do Chega.

É isso que está na origem da eliminação ou descaracterização de aspectos fundamentais da Constituição abrindo caminho ao desastroso processo de privatizações, à alienação da soberania nacional a favor das instituições supranacionais da União Europeia, à inviabilização prática da regionalização, à liquidação de transformações revolucionárias alcançadas com a revolução de Abril como a Reforma Agrária ou o controlo operário.

É isso que volta a estar na origem de mais um processo de revisão constitucional.

A abertura pelo Chega do processo de revisão constitucional que está em curso e o conteúdo concreto dos projectos apresentados por PSD, IL e Chega comprovam que o sentido desta revisão constitucional é determinado pelo ataque ao regime democrático e aos direitos fundamentais e pelo objectivo de dar cobertura constitucional à política de direita, mutilando e subvertendo a Constituição. Essa apreciação resulta, não tanto da circunstância de ter sido o Chega a desencadear o processo de revisão mas, sobretudo, do conteúdo concreto dos projectos apresentados, designadamente com a apresentação de propostas que deliberadamente branqueiam o fascismo; que admitem a limitação de liberdades com a facilitação do recurso ao estado de excepção; que legalizam a devassa de informações relativas às comunicações dos cidadãos por parte dos serviços de informações; que condicionam o pluralismo da expressão política democrática limitando as possibilidades de representação institucional; que eliminam direitos das comissões de trabalhadores; que apagam as responsabilidades do Estado e liquidam direitos sociais na saúde, na educação ou na habitação, substituindo os direitos pela lógica do negócio apenas ao alcance de quem o possa pagar.

Ao admitir e dar cobertura à possibilidade de alteração da Constituição na sequência deste processo de revisão constitucional, o PS assumiu uma opção com consequências graves na vida nacional e que ameaça os direitos dos trabalhadores e do povo, a democracia e o futuro do País.

 

Contra o retrocesso, um projecto de futuro

 

Com toda a certeza que quem promoveu as sucessivas revisões constitucionais desejaria ter levado mais longe os seus objectivos de descaracterização da Constituição. E se o não conseguiu isso deve-se à profundidade das transformações alcançadas com o 25 de Abril, à sua correspondência com as aspirações e anseios populares, ao enraizamento que os direitos conquistados com Abril continuam a ter nas massas populares. É isso que explica que as forças reaccionárias não tenham conseguido apagar o projecto de democracia avançada que a Constituição da República projecta para o futuro de Portugal e que a Constituição se mantenha como uma referência para um verdadeiro projecto de desenvolvimento soberano do País.

Ao contrário do que dizem os seus inimigos e detractores, a Constituição da República Portuguesa não é uma Constituição ultrapassada nem está na origem dos problemas nacionais. Pelo contrário, é o seu incumprimento e a subversão do seu projecto e valores que estão na origem desses problemas.

Se a Constituição fosse respeitada nos seus princípios, se fosse concretizada na sua concepção ampla de democracia política, económica, social e cultural, se os direitos e projecto que consagra fossem realidade, Portugal seria um país diferente para melhor, mais desenvolvido, com menos injustiças e desigualdades sociais, com melhores condições para enfrentar os desafios que o futuro coloca.

O pleno emprego e um salário digno, as condições para uma infância feliz e a protecção na velhice, os cuidados de saúde e educação de qualidade, as condições para a livre criação artística não são sonhos do passado. A organização da economia e da produção para a satisfação das necessidades do povo, o desenvolvimento científico e tecnológico, a distribuição justa da riqueza criada, um país equilibrado e sem assimetrias regionais não são aspirações ultrapassadas. Tudo isso é projecto de futuro que a Constituição enquadra com opções que correspondem aos interesses da maioria do povo e não da minoria que detém o poder económico.

A prova de actualidade da Constituição e do seu carácter avançado e progressista pode ser feita pondo-a em confronto com as opções políticas que caracterizam a acção de sucessivos governos PS, PSD e CDS.

Sempre que um governo decidiu (ou decide) encerrar um serviço de saúde, cortar um apoio social, negar o direito à habitação, impor a perda de poder de compra de salários e pensões, entregar uma empresa ou sector estratégico a um grupo económico, cada uma dessas opções é feita subvertendo princípios e valores constitucionais e contrariando o projecto que a Constituição consagra. Em sentido contrário, se amanhã um governo patriótico e de esquerda decidir aumentar salários e pensões, alargar prestações sociais, reforçar a capacidade de resposta dos serviços públicos, garantir o controlo público de empresas e sectores estratégicos, apoiar e desenvolver a produção nacional, qualquer uma dessas opções encontrará na Constituição uma referência para a sua concretização e não um obstáculo.

 

Desafio e tarefa para todos os democratas e patriotas

 

A política patriótica e de esquerda, verdadeira política alternativa capaz de resolver os problemas nacionais e assegurar o desenvolvimento soberano do país, encontra na Constituição um quadro de referência para a sua concretização.

No cumprimento da Constituição encontra-se o sentido da resposta aos problemas imediatos que atingem o povo e o país mas também o sentido de uma política alternativa que enfrente os graves problemas estruturais nacionais.

A prioridade é cumprir a Constituição e o que ela consagra nos direitos à habitação, à saúde, à educação, à protecção social, à cultura. É garantir que são concretizados e respeitados os direitos dos trabalhadores, dos reformados, das crianças e dos jovens. É criar condições para uma efectiva igualdade combatendo o racismo, a xenofobia e todos os tipos de desigualdades e discriminações, tal como a Constituição prevê. É cumprir o projecto que a Constituição comporta de um país soberano, desenvolvido, democrático, de respeito e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, de participação popular na vida democrática nacional, de um país que desenvolve as suas relações internacionais a partir de uma política de paz, amizade e cooperação entre os povos.

Essas são as verdadeiras prioridades relativamente à Constituição e elas convocam a intervenção e mobilização de todos os democratas e patriotas para a sua concretização.

Pelo carácter avançado e progressista que preserva, o conteúdo do texto constitucional continua a ser elemento de convergência dos patriotas e democratas que aspiram a um Portugal desenvolvido, de progresso e justiça social.

Os trabalhadores e o povo têm na Constituição uma arma de defesa dos seus direitos, um projecto para o futuro das suas vidas e do seu país.

É papel dos comunistas fazer convergir essas forças na exigência do cumprimento e aprofundamento da Constituição.


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