A situação económica – continuidade da política de direita e o rumo necessário (1)
O país vive uma conjuntura complexa e
difícil com evolução incerta. Intervêm e entrelaçam-se elementos e factores
muito diversos, económicos, sociais e políticos, internos e externos, agindo e
reagindo sobre uma realidade instável e movediça. Mas determinada, assente
sobre dois pilares:
– A crise estrutural do capitalismo
(2) e o estrebuchar (incluindo pelo recurso à guerra) das classes dominantes e
oligarquias para garantir a sobrevivência do sistema, e onde se destaca a
intervenção do imperialismo norte-americano, procurando travar a perda da sua
hegemonia no planeta.
– Os resultados no país – impasses,
défices e estrangulamentos – da política de recuperação capitalista e
imperialista (do PS/PSD/CDS), onde são elementos centrais a integração
comunitária e a adesão ao euro, as políticas de privatização, liberalização,
desregulamentação, financeirização e outra tralha neoliberal.
Três traços principais e articulados caracterizam a conjuntura:
– Os riscos elevados de recessão ou
forte abrandamento económico no país e na UE (e outros países) pelas opções
políticas de resposta à situação inflacionária centrada na subida das taxas de
juro, na restrição dos rendimentos do trabalho e das despesas públicas.
– A manutenção de fortes tensões
inflacionistas, pelo prosseguimento da guerra e sanções, permanência de um forte
poder monopolista nos mercados de bens e serviços essenciais, como a energia e
alimentos e operações especulativas a coberto da guerra.
– A redução da capacidade de intervenção
dos Estados por opção própria, sob a pressão da UE, FMI e OCDE para as «contas
certas» e também porque os Estados, na voragem das políticas neoliberais,
perderam o comando de empresas estratégicas – da banca, energia, transportes,
comunicações e alimentares (produtoras de bens e serviços essenciais), hoje sob
tutela do capital multinacional, nomeadamente sob a forma de fundos de
investimento.
O país assiste a uma acelerada
polarização de rendimentos pela desvalorização dos salários e pensões e a uma
cada vez maior acumulação de lucros e patrimónios pelos grupos económicos.
Crescem as desigualdades sociais. (3)
Perante uma inflação, inseparável de
especulações diversas, que mesmo em perda de velocidade se mantém em níveis
muito elevados e sem significar redução de preços de bens e serviços, a recusa de aumento de salários e pensões e de
regulação dos preços estão a agravar as que já eram difíceis condições de vida
da população. Ao mesmo tempo que se intensificam os ataques aos direitos
laborais e aos serviços e funções sociais do Estado e ao investimento público, preparam-se novas vagas dessa ofensiva,
a partir de imposições externas e das forças que em Portugal promovem a
política de direita, como é visível nas propostas de «Reforma da governação
económica da UE». (4)
A vulnerabilidade do país, perante um
quadro económico mundial instável e acumulador de riscos e crises, tende a avolumar-se, resultante do
aprofundamento da dependência externa, de um aparelho produtivo fragilizado e
da ausência de respostas comprometidas com a defesa dos interesses nacionais.
Décadas de governos comprometidos
com o grande capital empurraram o país para uma crise prolongada, com
estagnação económica, aumento da exploração dos trabalhadores e perda de
rendimentos de outras camadas sociais – caso das pequenas empresas que
constituem o grosso do tecido empresarial –, o que teve e tem fortes impactos negativos no plano social, na
participação política, na vida cultural, e no próprio regime democrático.
Não vale a pena subestimar a
gravidade da situação como faz o Governo PS!
2. A economia cresce?
O Governo PS gaba-se do crescimento da
economia. Mas como muitas vezes acontece meia verdade pode esconder muita
mentira! E aqui nem meia verdade acontece...A economia cresceu 6,7% em 2022 – o
maior crescimento dos últimos 35 anos, diz o Governo – mas tal é o efeito
estatístico da queda histórica de 8,3% em 2020 e do efeito «arrastamento» de 4%
do crescimento de 2021. De facto, desde o 2.º Trimestre de 2022 que a economia
praticamente não cresce (uma evolução acumulada de 0,7% nos 3 últimos
trimestres de 2022 – média por trimestre inferior a 0,2%) e a situação agora é
de quase estagnação. O défice externo é cada vez mais preocupante: em 2022 a
Balança Corrente e de Capital, pela primeira vez desde 2011, apresenta um
défice que atinge já os 1,7 mil milhões de euros (0,7% do PIB), devido
fundamentalmente ao agravamento da Balança de Bens (Mercadorias) que atinge em
Agosto, em termos anualizados, um défice de 26,0 mil milhões de euros (10,2%) e
ao agravamento da Balança de Rendimentos Primários (- 4,3 mil milhões de euros).
O investimento total pesa cada vez menos na nossa economia, representando hoje
cerca de 20% do PIB, quando no início do século estava próximo dos 30%. E com o
investimento público a situação é ainda pior: pesa hoje apenas cerca de 2,5% do
PIB, quando no início do século atingia os 5%. Metade do que foi. Assistimos a
um cada vez maior desequilíbrio na distribuição do rendimento nacional, com os
salários e pensões a perderem todos os dias poder de compra e os lucros dos
grandes grupos económicos a crescerem de forma exponencial. Dados do INE, de 10
de Novembro, dizem que a remuneração bruta total média de 4,5 milhões de postos
de trabalho, em termos reais, caiu 4,7% em relação a 2021. Os sectores
produtivos respondem menos aos nossos défices estruturais: o défice externo da
balança corrente (- 4,1 mil milhões de euros), o défice energético (- 11 mil
milhões de euros) e o défice alimentar (- 5,8 mil milhões de euros) não param
de crescer. A economia cresce, diz o Governo PS, mas o trabalho precário absorve
a quase totalidade do emprego criado e o desemprego real atinge os 650,5 mil
trabalhadores (12,1%). Portugal tem hoje mais de 2,0 milhões de pobres e 10,3%
dos trabalhadores, mesmo trabalhando, estão abaixo do limiar de pobreza. De
acordo com os últimos números disponíveis 25% da população empregada recebe o
salário mínimo nacional. A pensão média mensal dos cerca de 3 milhões de
pensionistas actuais foi em 2021 de 410 euros, valor inferior ao limiar de
pobreza nesse ano, que foi de 551 euros mensais. A economia cresce mas os
actuais níveis de inflação (8,1%, sem habitação, em 2022) vêm acrescentar mais
incerteza e dificuldades à vida de milhões de portugueses, que vêem o seu poder
de compra cair todos os dias. Mais de 1 milhão e cem mil portugueses têm hoje
encargos mensais com o pagamento das prestações da sua habitação própria e as
subidas das taxas de juro do BCE aumentam esses encargos na ordem das centenas
de euros. É importante que a nossa economia possa crescer. De forma sustentada,
o que não acontece hoje. Mas tão ou mais importante é que esse crescimento se
traduza numa muito maior e melhor distribuição do rendimento, num maior
investimento público e privado, pois só assim o crescimento económico
corresponderá a desenvolvimento económico e social.
3. Salvações e elucubrações teóricas da
direita... e da social-democracia
A realidade dos factos entra pelos olhos
dentro. A claridade ou o clarão é tal que os cega. Como não é possível
reconhecer as causas dos factos – o sistema capitalista, as suas crises e as
políticas neoliberais – exorcizam o capitalismo pelo baptismo e a adjectivação.
Não é o capitalismo, é o Capitalismo 2.0; é o Capitalismo criado neste século
(dantes não era assim), «o grande capitalismo sem rosto», o «capitalismo
global», o «capitalismo selvagem»... Comentadores e jornalistas da imprensa
dita de referência entram em depressão... ideológica. Incomoda-os «O silêncio
sobre a gritante pobreza» (5), «A pobreza é a nossa maior vergonha» (6) e mergulham em «estudos» para perceber a sua origem.
Por exemplo a temperatura climática – «Investigadores norte-americanos fazem
uma ligação directa entre calor e pobreza, chegando ao ponto de medir que cada
1ºC mais quente reduz em 1,4% o rendimento per capita do PIB» (5) (mais 1ºC menos 1,4% de PIB/capita do PIB); «Há ainda, quem coloque a questão da pobreza
a nível genético» (5); ou então «a pobreza pode ser uma manifestação de doença
ou doenças mentais que dificultam a decisão racional» (7). E não há muito a
fazer: outro estudo mostra «que se toda a riqueza existente a nível do mundo
fosse dividida em partes iguais e distribuída entre todas as pessoas não
demoraria muito tempo para que aquela voltasse às mãos de quem já hoje a
possui.» (5) (passado algum tempo regressava-se à posição inicial!) Descobertas
que justificam os conselhos de Jonet e Ventura aos pobres: vejam lá, não gastem
mal gastos os 125€ do cheque do Costa. Eles descobrem que há «ordenados de
miséria» (8) em Portugal e que falta a «fiscalização dos preços» (8) permitindo
aumentos de preços desajustados dos «seus custos» de produção» (8). Eles ficam
incomodados pela liquidação de «lojas de bairro» (9): «Nos últimos 25 anos, o
capitalismo desenvolvido no Ocidente tem sido uma máquina de destruição dos
pequenos empresários e de acumulação monopolista por parte de dois ou três
grupos por sector» (9)! Os leitores do Expresso que estavam convencidos que a
luta de classes e a proletarização tinham finado, desenganem-se. «O grande
capitalismo sem rosto» (9), «as grandes companhias capitalistas à Silicon
Valley, criam «uma sociedade cada vez mais desigual e dual dividida entre os
grandes grupos capitalistas e a imensa horda de deserdados e proletários» (9)!
Outros vão um pouco mais longe, mas não muito. Olhando para o Congresso da IL,
P. Pereira observa «o enorme vazio político em que se materializa uma densidade
ideológica que não ousa dizer o seu nome, a desregulação, a lei da selva para
os pobres, o capitalismo selvagem» (10) e C. Ferreira Alves, olhando para o
confronto de Davos/Oxfam, entre «Ultraricos e Ultrapobres» admite «que os
sistemas políticos ou as democracias capitalistas, armadas de constituições e
cartilhas de direitos humanos, não consigam deter a marcha de acumulação
primitiva de capital, para usar um
chavão da teoria marxista clássica» e consegue mesmo dizer que «É interessante
reler Marx no admirável mundo novo. A análise acerta em vários pontos. Com a
emergência dos ultraricos, subgrupos de ultrapobres reemergiram. O
empobrecimento da classe média, a um ritmo alucinado nas duas últimas décadas,
começa a gerar destituição geracional. Quem é pobre continuará pobre por várias
gerações». (11) É uma pena que com Marx não tenha conseguido chegar até à
pauperização absoluta e relativa da classe trabalhadora... resultado da lei da acumulação
capitalista!
Todos os «fundamentais» do capitalismo
liberal e neoliberal abanam e são postos em causa! Os mercados são atropelados
pelo poder monopolista e com ajudas de Estado garantindo a desigualdades
competitiva entre países. A Alemanha, depois do recorde de ajudas públicas
durante a pandemia, avançou com mais 200 mil milhões de euros (um PIB
português) para proteger a competitividade das suas empresas e o poder de
compra das famílias afectadas pela subida dos custos energéticos. E os EUA
anunciam um programa semelhante, o IRA (Inflation Reduction Act) de 341 mil
milhões de euros. (12) A regulação deita
os bofes de fora mas não regula nada... e de coima em coima, sem pagar, lá
navegam os monopólios à sombra da Autoridade da Concorrência e outras entidades
ditas reguladoras e toda a respectiva parafernália legislativa. (13) O elevador
social avariou-se, empancou (14) e ninguém o conserta! A OCDE diz que os mais
pobres demoram até cinco gerações para chegar à classe média, mas que a viagem inversa é rápida: menos de uma
geração! Vai ao charco a tese central dos liberais da «meritocracia»... (É uma
pena que os seus apóstolos não leiam o que dela dizem os Professores de M. J.
Sandel de Harvard e D. Markovitz de Yale (15). «A livre iniciativa, a
democracia (burguesa e oligárquica que temos, digo eu!) a acumulação
capitalista não sobrevivem num modelo em que de acordo com o Banco Mundial, 1%
da população detém 38% da riqueza e 50% sobrevivem com 2%.» (16)
A coisa está preta...(17)
4. Mas não faltam planos e projectos
salvadores para o país
Por isso a direita académica, com as
suas Business School, ou School of Business & Economics & Management, o
seu linguajar english, os seus dean e c.ia, fundações, e jornais ditos de
referência, convergem numa prosélita
campanha. Brota uma profusão de planos para a salvação da pátria. Da Fundação
Gulbenkian à Fundação Francisco Manuel dos Santos/Pingo Doce, da SEDES aos
Encontros de Cascais… todos descobrem uma boa receita. Mas são muito antigas.
Insistem em caminhos e medidas velhos como as casas, do tempo em que só havia
casas velhas... e que nos conduziram à situação de desastre em que nos
encontramos. Sempre na busca de novos bodes expiatórios. Mas esquecendo sempre
o que não era possível esquecer. Exemplo: a economia portuguesa está estagnada
desde 2000, mas nunca se «lembram» que essa é a data em que trocamos escudos
por euros…
O grande capital nacional não fica para
trás e multiplica as iniciativas para o «social». Depois do grupo de
empresários mobilizados por Cavaco Silva para responderem ao insucesso escolar
(o que será feito deste projecto?), os grupos Mello, Amorim e Sonae (e mais 39)
criaram a Business Roundtable Portugal para se
empenharem no crescimento e boa governança das pequenas empresas (os
predadores transfiguram-se em salvadores!). Mais recentemente 50 grandes
empresas, sob a inspiração da Fundação José Neves (Farfetch) e sob o alto
patrocínio da Ministra do Trabalho, subscreveram um Pacto «Para mais e melhores
empregos para os jovens». Os responsáveis pela precariedade e baixos salários
vão agora resolver o problema...
Mas o que propõem de facto? Liberalizar
o mercado de trabalho, reduzir o «peso do Estado», reduzir os impostos às
empresas (para atrair o capital estrangeiro, naturalmente), liberalizar os
licenciamentos para acabar com a burocracia e pelo caminho agredir o «ambiente»
que querem salvar, avançar com a capitalização na Segurança Social, acabar com
as «visões ideológicas» no SNS, recuperando as PPP, distribuir o Cheque Ensino,
fazer crescer a arbitragem na justiça económica, e etc…Tudo grandes novidades!
Os «Dean» é que sabem. O da Católica (Filipe Santos) (18) interroga-nos com uma
disjuntiva sobre «qual o caminho para a prosperidade de Portugal»: «Crescimento
ou igualdade». O actual modelo económico é injusto: o mérito «não é
recompensado». Logo, opção por modelo que «aposta no crescimento económico,
dinamizando o sector empresarial, incentivando o esforço dos cidadãos e
recompensando o mérito». Logo: «aligeirar o peso do Estado e libertar a
iniciativa privada». «O foco é na igualdade de oportunidades para todos, não na
igualdade de nível de vida. A prestação de serviços é tendencialmente privada
para promover a competição e a inovação e dinamizar a economia, focando o Estado
nas funções essenciais – Defesa, Segurança, Justiça, Administração Interna,
Regulação e grandes investimentos estruturais.» É o Programa da IL e não está
sozinho. A Professora do ISEG, Sandra Maximiano, afirma «Ter esta cultura de
meritocracia é extremamente importante, seja no sector privado seja no sector
público. A história de sermos todos iguais e pobres não nos vai levar a
absolutamente lado nenhum.» Bem pode alguém dizer que «A meritocracia bloqueia
a igualdade de oportunidades»... (15)
O bricabraque da nova economia e a
verborreia tecnocrática dos «geek» da web-summit preenche todas as necessidades
da «economia política» de Marcelo a Moedas, passando pelo Ministro da Economia:
start-up, unicórnios (o Moedas quer uma fábrica!), os “vistos gold” (um
verdadeiro sucesso de investimento, pois criaram 280 postos de trabalho em 10
anos com 3,5% do montante total do investimento no mercado imobiliário!) e
agora os nómadas digitais, (o esquema de Ponzi d)as bitcoins e criptoactivos, a
finança verde e a «sustentabilidade» dada pelo
certificado ESG (Environmental, Social and Governance). (19)
Uma constante não ultrapassada por esta
pós-modernidade tecnocrática e meritocrática: os velhos lucros, uma velharia
sempre nova e presente. Mas claro, sem nunca em falar de lucros excessivos,
extraordinários ou especulativos! Não são conhecidos dessa «economia política»
«os lucros monopolistas», embora clássicos da economia, não marxistas, sempre
tenham falado deles. Nunca ouviram o insuspeito Victor Bento (20) falar da
predação dos sectores de bens transaccionáveis pelos sectores olipolizados de
bens não transaccionáveis (crédito, energia, telecomunicações, etc.)... A mesma
ignorância, quando estudos diversos de insuspeitas fontes demonstram a
responsabilidade do poder monopolista e o abuso de posições dominantes de
mercado no aumento especulativo e
inflacionário dos preços de bens alimentares e da energia!
5. Da continuidade da política de
direita pelo Governo PS
Se houvesse dúvidas sobre a natureza da
política do Governo de maioria absoluta PS, o esclarecimento brotou vivaz e
cristalino do OE2023. Aliás, na continuação e continuidade absoluta do OE2022,
o tal «OE de esquerda» que o PCP, ignorante, chumbou! O insuspeito banqueiro Ulrich,
chairman do BPI, proferiu a sentença definitiva: «o Orçamento de Estado para
2023 é do ponto de vista global positivo e equilibrado»! E o Acordo de
Rendimentos «parece-me corajoso e ambicioso»!
Estamos perante um instrumento político
para assegurar continuidade da transferência de rendimentos do trabalho para o
capital – o peso (ajustado) dos salários
no PIB vai cair 2,4 pontos percentuais em 2022 e 0,8% em 2023 (de 55,7% em 2021
para 53,3% em 2022 e para 52,5% em 2023). (Com a troika tinha caído em
2012 face a 2011, 1,5 pontos percentuais!). Em 2021, ainda ano de covid e
confinamentos, os lucros atingiram em Portugal um valor histórico de 25 688
mM€! Como 41% das micro empresas tiveram resultados negativos adivinhe-se quem
foi premiado com o jack pot! Lucros que continuaram a
crescer à grande e à americana nos três primeiros trimestres de 2022! Um
OE para fazer colapsar o consumo privado (de um crescimento real de 5,4% em
2022 para a estagnação de 0,7% em 2023), e logo um forte golpe no mercado interno.
Ou seja, um ataque em força aos rendimentos das pequenas empresas!
Um orçamento que acompanha uma dita
Agenda do «trabalho digno» garantindo a redução real dos salários dos
trabalhadores públicos e privados, e inevitável crescimento da precariedade, a começar
na Administração Pública! Um OE para garantir a continuação dos inaceitáveis
níveis de pobreza, nomeadamente de trabalhadores pobres e de carências
materiais de milhares de famílias. Um «trabalho digno» mas sem contratação
colectiva, com a bênção do BdP que, no seu Boletim de Outubro, vem fazer da
«contratação colectiva» um factor de «rigidez» do mercado de trabalho...Ou
seja: acabe-se com a contratação colectiva. Uma Agenda para o trabalho digno»
com mais de 120 mil trabalhadores desempregados sem subsídios de desemprego, o
3.º pior da Europa em acidentes de trabalho e comtemporiza com escandalosa
exploração de imigrantes. Um OE para garantir que vai continuar a degradação do
SNS e da Escola Pública! Um OE que acena à recuperação das privatizações, como
se anuncia para a TAP, a SATA e a Efacec, nos cuidados primários de saúde, e o
retomar das PPP como parece estar garantido para a ferrovia de Alta Velocidade
e provavelmente em hospitais (nada de ideologias!) para maior glória dos Fundos
de Investimento, que até podem contar com bónus dados por algum tribunal
arbitral...
O PS assume, como escreveu alguém, um
governo de iniciativa liberal, assumindo sem rebuço, ou qualquer
constrangimento ideológico social-democrata, toda a cartilha neoliberal, toda a
ganga tecnocrática da especulação financeira, todos os ditames da UE das
«contas certas». Costa melhor aluno que Cavaco!
Não está fácil a vida para o PSD e
companhia. Vai chorando a pitanga dos baixos salários, das desigualdades, da
pobreza... Mas em cada debate na Assembleia da República, o 1.º Ministro
sublinha (e com razão dizemos nós) que o guia da política económica do seu
governo é o Livro «Portugal – Liberdade e Esperança, Uma visão para Portugal
2030 de Joaquim Miranda Sarmento, líder do GP do PSD! E é verdade, tem a matriz
das opções e orientações das medidas que o Governo PS executa!
Resta ao PSD: os «casos e casinhos», mas
dissolvem-se rapidamente na poeira mediática do correr dos dias; a ladainha das
«Reformas Estruturais» pregadas por Bruxelas, a OCDE e tutti quanti... mas o
Costa lá vai engrolando a Comissão Europeia; a jaculatória das CIP e outras
para a redução do IRC, mas o PS vai satisfazendo as necessidades do grande
capital...como esteve patente nas imagens risonhas dos chefes da CIP e de
outras confederações do grande capital nos festejos do Acordo de Rendimentos! E a privatização total da saúde e do ensino...
mas o PS também se vai antecipando com o Ministro Pizarro a anunciar «unidades
de saúde familiar privadas» e etc. Recupera Passos e Portas... mas não chega, e
por isso vai abraçar o Chega e aconchegar a IL fragilizada.
6.
Mudar de rumo
A Política Patriótica e de
Esquerda que o PCP propõe é realizável com a força e a luta dos trabalhadores e
do povo português. Com o alargamento da influência social, política e eleitoral
do PCP e da CDU. Com a mobilização dos recursos nacionais, com a afirmação do
direito do país a um desenvolvimento soberano. Um caminho que exige a ruptura
com a política de acumulação monopolista de sucessivos governos PS, PSD e CDS.
Um caminho assente na ruptura com as políticas e orientações da União Económica
e Monetária, do Tratado Orçamental, da Governação Económica da União Europeia.
Invocam-se os elevados
custos do enfrentamento e confronto com as políticas impostas pela União
Europeia e o Euro. A questão fundamental são os custos de não arrepiar caminho.
Os custos de não fazer a ruptura e dar continuidade à política de direita. Os
custos de décadas de declínio económico e social. Os custos da exaustão do país
no pagamento da dívida e nos limites do défice, sem dinheiro para a saúde e
educação dos seus cidadãos e para os investimentos nas infraestruturas e
equipamentos necessários. Os custos demográficos, da emigração, envelhecimento
e desertificação humana! Os custos de amarrar o país a décadas de estagnação,
apontando como futuro, a esta comunidade com quase nove séculos de história, o
deixar de ter futuro!
Abrir caminhos para a
mudança de rumo significa optar pela recuperação pelo Estado do comando político
da economia, com a afirmação da soberania nacional e o combate decidido à
dependência externa, questão decisiva de uma política alternativa, exigência
reforçada pelo contexto da globalização capitalista e da integração
comunitária. O que exige:
– A
subordinação do poder económico ao poder político, com o combate a uma
estrutura económica monopolista, o exercício e assumpção pelo Estado das
missões e funções constitucionais na organização e funcionamento da economia.
– A
afirmação da propriedade social e do papel do Estado em empresas e sectores
estratégicos.
– A
renegociação da dívida articulada com a intervenção com vista ao
desmantelamento da União Económica e Monetária e a necessária libertação do
país da submissão ao Euro, visando recuperar instrumentos centrais de um Estado
soberano (monetário, orçamental, cambial).
– A
eliminação de condicionamentos estratégicos pelo controlo público de sectores
como a banca e a energia.
– A
defesa de outras políticas económicas e financeiras da União Europeia visando a
convergência real das economias e a coesão económica e social, nomeadamente a
revogação do Tratado Orçamental e da União Bancária, do Programa de
Estabilidade, da «Governação Económica» e do «Semestre Europeu»
e a criação de um programa
de apoio aos países cuja presença no Euro se tenha mostrado insustentável, a
par da revisão de outras políticas comuns, como da agricultura, pescas,
indústria e comércio externo.
Só assim estaremos em
condições de concretizar cinco questões nucleares para a sobrevivência e o
futuro do país: a sustentabilidade demográfica e o pleno emprego; a redução das
desigualdades sociais, a eliminação da pobreza e a correcção das assimetrias
regionais, em primeiro lugar com o aumento de salários, emergência nacional; o
fortalecimento quantitativo e qualitativo do tecido empresarial; um aparelho do
Estado para sociedade portuguesa no século XXI, nomeadamente travando a
degradação da Administração Pública pela sangria de recursos humanos e
insuficiência, e não renovação de equipamentos/meios materiais; a defesa dos sectores produtivos e da
produção nacional e a afirmação da propriedade social e do papel do Estado na
economia. A defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, com uma
reindustrialização pelo desenvolvimento da indústria transformadora e
extractiva, o desenvolvimento da agricultura e das pescas garantindo a
soberania alimentar; a afirmação de uma economia mista com um forte sector
público e o apoio às explorações familiares, à pesca artesanal e costeira, às
micro, pequenas e médias empresas e ao sector cooperativo. O que exige um
incremento substantivo dos investimentos público e privado, uma profunda
alteração na gestão dos fundos comunitários e nas políticas de formação,
investigação e desenvolvimento tecnológico (I&DT), crédito, energia e
comércio externo, a reversão das privatizações e a recuperação para o sector
público dos sectores básicos e estratégicos, constituindo um Sector Empresarial
do Estado forte e dinâmico e a definição de uma estratégia para a economia digital
no respeito pelo quadro constitucional.
Notas
(1) O artigo tem por base a intervenção
feita sob o mesmo título na Conferência Nacional do PCP, de 12/13 Novembro,
Corroios/Almada.
(2) Na recente sessão de Davos, no seu
Relatório de Risco Global, o Fórum Económico Mundial (WEF) faz uma avaliação do
estado do capitalismo global na presente década «chocante», como alguém a
caracterizou. Algumas citações: «a próxima década será caracterizada por crises
ambientais e sociais, impulsionadas por tendências geopolíticas e económicas
subjacentes». «A inflação continua impulsionada pela oferta pode levar à
estagflação, cujas consequências sócio-económicas podem ser graves, dada uma
interacção sem precedentes com níveis historicamente altos de dívida pública. A
fragmentação económica global, as tensões geopolíticas e a reestruturação mais
rígida podem contribuir para a angústia generalizada com a dívida nos próximos
10 anos.» «a tecnologia exacerbará as desigualdades»; «as crises de alimentos,
combustíveis e custos exacerbam o desenvolvimento humano, corrói a resiliência
futura».
(3) Dados recentes (INE, Banco de
Portugal, Revista Exame) permitem confirmar a enorme e crescente concentração
de riqueza no país. Ao mesmo, tendo por base rendimentos de 2021, dois milhões
de portugueses encontravam-se em 2022 em risco de pobreza ou exclusão social
(19,4%). Numa síntese: as 40 famílias mais ricas do país têm uma riqueza
líquida média de 750 milhões de euros e as 50% mais pobres (cerca de 2 milhões
de famílias) têm uma riqueza líquida média de 31,3 mil euros, sendo que neste
caso, mais de 80% da sua riqueza seja a habitação própria.
O «Retrato de um país (muito) desigual»
do Expresso de 28JAN22, com recurso também a dados do Eurostat e OCDE, conclui
que «Portugal tem elevados níveis de desigualdade do rendimento, mas mais ainda
ao nível da riqueza».
(4) Ver artigo de João Ferreira, in «O
Militante» de Janeiro 2023.
(5) Manuela Ferreira Leite, Expresso,
04NOV22.
(6) João Vieira Pereira, Expresso,
21OUT22.
(7) Henrique Raposo, Expresso, 21OUT23;
esta tese de Henrique Raposo foi recentemente desenvolvida em longo artigo da
Revista Expresso (20JAN23), «A cura da pobreza». Vale a pena ler a síntese:
«Através da revolução epigenética, uma nova neurociência da pobreza mostra-nos
que a miséria extrema é sobretudo a manifestação de um grupo de doenças
mentais. Aquilo que sempre foi visto como o “comportamento à pobre” é, na
verdade, um conjunto de sintomas do campo da saúde mental. Ou seja, a pobreza
pode ter um tratamento ou mesmo uma cura». A ilustração do texto não deixa
lugar a dúvidas, um boné de pobre de pedir, onde a par de algumas moedas, está
uma pílula! A pobreza trata-se na farmácia...
(8) João Vieira Pereira, 28OUT22.
(9) Henrique Raposo, 28OUT22.
(10) Sábado, 26JAN23.
(11) Revista do Expresso, 20JAN23.
(12) Os mesmos (EUA e UE) que forçaram
no plano mundial a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC) em nome de
regras para uma concorrência sã e não distorcida pelas ajudas de Estado, não
hesitam agora em abrir uma guerra comercial, com vultuosas ajudas públicas às
suas economias, sem qualquer consulta ou negociação multilateral! O
imperialismo é mesmo assim...
(13) Escândalos maiores e mais recentes:
o do Cartel da Banca, um processo iniciado em 2012 que corre agora o risco de
prescrever anulando a coima global de 225 milhões de euros (a distribuir por 11
bancos); a colusão do grupo das três operadoras de telecomunicações – MEO, NOS
e Vodafone – de um aumento comum das taxas de 7,8%, com a entidade reguladora
ANACOM, limitada na sua intervenção a propor uma alteração na fidelização
máxima obrigatória de seis meses.
(14) Pacheco Pereira, Sábado, 02FEV23:
«o descontentamento social é generalizado em Espanha, em França, no Reino
Unido... e em Portugal. De um modo geral, são forças da direita radical que têm
beneficiado desse descontentamento, do agravamento da pobreza, do empancamento
do elevador social e da perda de status de classe média, com uma “crise de
futuro” generalizada».
(15) M. Sandel publicou a «Tirania do mérito»
e D. Markovitz a «Armadilha da meritocracia». Este, em entrevistas que deu
quando veio a Lisboa, afirmou: «A meritocracia bloqueia a igualdade de
oportunidades» e que «A desigualdade económica nos Estados Unidos (o paraíso da
meritocracia) produz hoje uma maior desigualdade em termos de educação do que o
«apartheid» americano em meados do século XX»; «A classe média está a ser
destruída de muitas maneiras. A mobilidade social não está num movimento
ascendente, bem pelo contrário».
(16) Manuel Carvalho, Editorial do
Público, «A desigualdade que augura uma catástrofe», 17JAN23.
(17) No confronto com o Fórum de Davos a
OXFAM divulgou o seu Relatório anual sobre a desigualdade: «Nos últimos dois
anos os 1% mais ricos do mundo ganharam quase o dobro da riqueza dos restantes
99%»! Segundo o Crédit Suisse a riqueza global aumentou 9,8% em 2021, bem acima
da média anual de 6,6% verificada desde o início do século. Excluindo
alterações cambiais (“movimento de moedas”) a riqueza global agrupada cresceu
12,7%. Este aumento resultou de 2
factores: o aumento acentuado dos preços dos imóveis e o boom do mercado de
acções alimentado pelo crédito. Ou seja, esse aumento da riqueza foi para os
mais ricos do mundo!
(18) Filipe Santos, Jornal de Negócios,
03JAN23.
(19) ESG, é certamente ao abrigo desta
marca registada de «sustentabilidade», que grandes empresas dos EUA – grandes
bancos de investimento de Wall Street (Goldman Sachs, Morgan Stanley,
Citigroup, etc.) e as chamadas grandes tecnológicas (Microsoft, Google, Amazon
etc.) – preocupadas com o cumprimento do «S» de social estão a despedir
milhares de trabalhadores e que outras
responsabilidades assumidas pelo «E» de ambiente, caso de algumas
petrolíferas, foram denunciadas pelo seu empenhadamento na «lavagem verde».
(20) Vítor Bento, «O Nó Cego
da Economia», 2010.
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