Linha de separação


7 de março de 2023

A situação económica


A situação económica – continuidade da política de direita e o rumo necessário (1)

 

 1. A situação económica – incerteza, instabilidade, estagnação

 

O país vive uma conjuntura complexa e difícil com evolução incerta. Intervêm e entrelaçam-se elementos e factores muito diversos, económicos, sociais e políticos, internos e externos, agindo e reagindo sobre uma realidade instável e movediça. Mas determinada, assente sobre dois pilares:

A crise estrutural do capitalismo (2) e o estrebuchar (incluindo pelo recurso à guerra) das classes dominantes e oligarquias para garantir a sobrevivência do sistema, e onde se destaca a intervenção do imperialismo norte-americano, procurando travar a perda da sua hegemonia no planeta.

Os resultados no país – impasses, défices e estrangulamentos – da política de recuperação capitalista e imperialista (do PS/PSD/CDS), onde são elementos centrais a integração comunitária e a adesão ao euro, as políticas de privatização, liberalização, desregulamentação, financeirização e outra tralha neoliberal.

Três traços principais e articulados caracterizam a conjuntura:

– Os riscos elevados de recessão ou forte abrandamento económico no país e na UE (e outros países) pelas opções políticas de resposta à situação inflacionária centrada na subida das taxas de juro, na restrição dos rendimentos do trabalho e das despesas públicas.

– A manutenção de fortes tensões inflacionistas, pelo prosseguimento da guerra e sanções, permanência de um forte poder monopolista nos mercados de bens e serviços essenciais, como a energia e alimentos e operações especulativas a coberto da guerra.

– A redução da capacidade de intervenção dos Estados por opção própria, sob a pressão da UE, FMI e OCDE para as «contas certas» e também porque os Estados, na voragem das políticas neoliberais, perderam o comando de empresas estratégicas – da banca, energia, transportes, comunicações e alimentares (produtoras de bens e serviços essenciais), hoje sob tutela do capital multinacional, nomeadamente sob a forma de fundos de investimento.

O país assiste a uma acelerada polarização de rendimentos pela desvalorização dos salários e pensões e a uma cada vez maior acumulação de lucros e patrimónios pelos grupos económicos. Crescem as desigualdades sociais. (3)

Perante uma inflação, inseparável de especulações diversas, que mesmo em perda de velocidade se mantém em níveis muito elevados e sem significar redução de preços de bens e serviços, a  recusa de aumento de salários e pensões e de regulação dos preços estão a agravar as que já eram difíceis condições de vida da população. Ao mesmo tempo que se intensificam os ataques aos direitos laborais e aos serviços e funções sociais do Estado e ao investimento público, preparam-se novas vagas dessa ofensiva, a partir de imposições externas e das forças que em Portugal promovem a política de direita, como é visível nas propostas de «Reforma da governação económica  da UE». (4)

A vulnerabilidade do país, perante um quadro económico mundial instável e acumulador de riscos e crises, tende a avolumar-se, resultante do aprofundamento da dependência externa, de um aparelho produtivo fragilizado e da ausência de respostas comprometidas com a defesa dos interesses nacionais.

Décadas de governos comprometidos com o grande capital empurraram o país para uma crise prolongada, com estagnação económica, aumento da exploração dos trabalhadores e perda de rendimentos de outras camadas sociais – caso das pequenas empresas que constituem o grosso do tecido empresarial –, o que teve e tem  fortes impactos negativos no plano social, na participação política, na vida cultural, e no próprio regime democrático.

Não vale a pena subestimar a gravidade da situação como faz o Governo PS!

 

2. A economia cresce?

O Governo PS gaba-se do crescimento da economia. Mas como muitas vezes acontece meia verdade pode esconder muita mentira! E aqui nem meia verdade acontece...A economia cresceu 6,7% em 2022 – o maior crescimento dos últimos 35 anos, diz o Governo – mas tal é o efeito estatístico da queda histórica de 8,3% em 2020 e do efeito «arrastamento» de 4% do crescimento de 2021. De facto, desde o 2.º Trimestre de 2022 que a economia praticamente não cresce (uma evolução acumulada de 0,7% nos 3 últimos trimestres de 2022 – média por trimestre inferior a 0,2%) e a situação agora é de quase estagnação. O défice externo é cada vez mais preocupante: em 2022 a Balança Corrente e de Capital, pela primeira vez desde 2011, apresenta um défice que atinge já os 1,7 mil milhões de euros (0,7% do PIB), devido fundamentalmente ao agravamento da Balança de Bens (Mercadorias) que atinge em Agosto, em termos anualizados, um défice de 26,0 mil milhões de euros (10,2%) e ao agravamento da Balança de Rendimentos Primários (- 4,3 mil milhões de euros). O investimento total pesa cada vez menos na nossa economia, representando hoje cerca de 20% do PIB, quando no início do século estava próximo dos 30%. E com o investimento público a situação é ainda pior: pesa hoje apenas cerca de 2,5% do PIB, quando no início do século atingia os 5%. Metade do que foi. Assistimos a um cada vez maior desequilíbrio na distribuição do rendimento nacional, com os salários e pensões a perderem todos os dias poder de compra e os lucros dos grandes grupos económicos a crescerem de forma exponencial. Dados do INE, de 10 de Novembro, dizem que a remuneração bruta total média de 4,5 milhões de postos de trabalho, em termos reais, caiu 4,7% em relação a 2021. Os sectores produtivos respondem menos aos nossos défices estruturais: o défice externo da balança corrente (- 4,1 mil milhões de euros), o défice energético (- 11 mil milhões de euros) e o défice alimentar (- 5,8 mil milhões de euros) não param de crescer. A economia cresce, diz o Governo PS, mas o trabalho precário absorve a quase totalidade do emprego criado e o desemprego real atinge os 650,5 mil trabalhadores (12,1%). Portugal tem hoje mais de 2,0 milhões de pobres e 10,3% dos trabalhadores, mesmo trabalhando, estão abaixo do limiar de pobreza. De acordo com os últimos números disponíveis 25% da população empregada recebe o salário mínimo nacional. A pensão média mensal dos cerca de 3 milhões de pensionistas actuais foi em 2021 de 410 euros, valor inferior ao limiar de pobreza nesse ano, que foi de 551 euros mensais. A economia cresce mas os actuais níveis de inflação (8,1%, sem habitação, em 2022) vêm acrescentar mais incerteza e dificuldades à vida de milhões de portugueses, que vêem o seu poder de compra cair todos os dias. Mais de 1 milhão e cem mil portugueses têm hoje encargos mensais com o pagamento das prestações da sua habitação própria e as subidas das taxas de juro do BCE aumentam esses encargos na ordem das centenas de euros. É importante que a nossa economia possa crescer. De forma sustentada, o que não acontece hoje. Mas tão ou mais importante é que esse crescimento se traduza numa muito maior e melhor distribuição do rendimento, num maior investimento público e privado, pois só assim o crescimento económico corresponderá a desenvolvimento económico e social.

 

3. Salvações e elucubrações teóricas da direita... e da social-democracia

 

A realidade dos factos entra pelos olhos dentro. A claridade ou o clarão é tal que os cega. Como não é possível reconhecer as causas dos factos – o sistema capitalista, as suas crises e as políticas neoliberais – exorcizam o capitalismo pelo baptismo e a adjectivação. Não é o capitalismo, é o Capitalismo 2.0; é o Capitalismo criado neste século (dantes não era assim), «o grande capitalismo sem rosto», o «capitalismo global», o «capitalismo selvagem»... Comentadores e jornalistas da imprensa dita de referência entram em depressão... ideológica. Incomoda-os «O silêncio sobre a gritante pobreza» (5), «A pobreza é a nossa maior vergonha» (6)  e mergulham em «estudos» para perceber a sua origem. Por exemplo a temperatura climática – «Investigadores norte-americanos fazem uma ligação directa entre calor e pobreza, chegando ao ponto de medir que cada 1ºC mais quente reduz em 1,4% o rendimento per capita do PIB»  (5) (mais 1ºC menos 1,4%   de PIB/capita do PIB);  «Há ainda, quem coloque a questão da pobreza a nível genético» (5); ou então «a pobreza pode ser uma manifestação de doença ou doenças mentais que dificultam a decisão racional» (7). E não há muito a fazer: outro estudo mostra «que se toda a riqueza existente a nível do mundo fosse dividida em partes iguais e distribuída entre todas as pessoas não demoraria muito tempo para que aquela voltasse às mãos de quem já hoje a possui.» (5) (passado algum tempo regressava-se à posição inicial!) Descobertas que justificam os conselhos de Jonet e Ventura aos pobres: vejam lá, não gastem mal gastos os 125€ do cheque do Costa. Eles descobrem que há «ordenados de miséria» (8) em Portugal e que falta a «fiscalização dos preços» (8) permitindo aumentos de preços desajustados dos «seus custos» de produção» (8). Eles ficam incomodados pela liquidação de «lojas de bairro» (9): «Nos últimos 25 anos, o capitalismo desenvolvido no Ocidente tem sido uma máquina de destruição dos pequenos empresários e de acumulação monopolista por parte de dois ou três grupos por sector» (9)! Os leitores do Expresso que estavam convencidos que a luta de classes e a proletarização tinham finado, desenganem-se. «O grande capitalismo sem rosto» (9), «as grandes companhias capitalistas à Silicon Valley, criam «uma sociedade cada vez mais desigual e dual dividida entre os grandes grupos capitalistas e a imensa horda de deserdados e proletários» (9)! Outros vão um pouco mais longe, mas não muito. Olhando para o Congresso da IL, P. Pereira observa «o enorme vazio político em que se materializa uma densidade ideológica que não ousa dizer o seu nome, a desregulação, a lei da selva para os pobres, o capitalismo selvagem» (10) e C. Ferreira Alves, olhando para o confronto de Davos/Oxfam, entre «Ultraricos e Ultrapobres» admite «que os sistemas políticos ou as democracias capitalistas, armadas de constituições e cartilhas de direitos humanos, não consigam deter a marcha de acumulação primitiva de capital, para  usar um chavão da teoria marxista clássica» e consegue mesmo dizer que «É interessante reler Marx no admirável mundo novo. A análise acerta em vários pontos. Com a emergência dos ultraricos, subgrupos de ultrapobres reemergiram. O empobrecimento da classe média, a um ritmo alucinado nas duas últimas décadas, começa a gerar destituição geracional. Quem é pobre continuará pobre por várias gerações». (11) É uma pena que com Marx não tenha conseguido chegar até à pauperização absoluta e relativa da classe trabalhadora... resultado da lei da acumulação capitalista!          

Todos os «fundamentais» do capitalismo liberal e neoliberal abanam e são postos em causa! Os mercados são atropelados pelo poder monopolista e com ajudas de Estado garantindo a desigualdades competitiva entre países. A Alemanha, depois do recorde de ajudas públicas durante a pandemia, avançou com mais 200 mil milhões de euros (um PIB português) para proteger a competitividade das suas empresas e o poder de compra das famílias afectadas pela subida dos custos energéticos. E os EUA anunciam um programa semelhante, o IRA (Inflation Reduction Act) de 341 mil milhões de euros. (12)  A regulação deita os bofes de fora mas não regula nada... e de coima em coima, sem pagar, lá navegam os monopólios à sombra da Autoridade da Concorrência e outras entidades ditas reguladoras e toda a respectiva parafernália legislativa. (13) O elevador social avariou-se, empancou (14) e ninguém o conserta! A OCDE diz que os mais pobres demoram até cinco gerações para chegar à classe média, mas que  a viagem inversa é rápida: menos de uma geração! Vai ao charco a tese central dos liberais da «meritocracia»... (É uma pena que os seus apóstolos não leiam o que dela dizem os Professores de M. J. Sandel de Harvard e D. Markovitz de Yale (15). «A livre iniciativa, a democracia (burguesa e oligárquica que temos, digo eu!) a acumulação capitalista não sobrevivem num modelo em que de acordo com o Banco Mundial, 1% da população detém 38% da riqueza e 50% sobrevivem com 2%.» (16)

A coisa está preta...(17)

 

4. Mas não faltam planos e projectos salvadores para o país

 

Por isso a direita académica, com as suas Business School, ou School of Business & Economics & Management, o seu linguajar english, os seus dean e c.ia, fundações, e jornais ditos de referência,  convergem numa prosélita campanha. Brota uma profusão de planos para a salvação da pátria. Da Fundação Gulbenkian à Fundação Francisco Manuel dos Santos/Pingo Doce, da SEDES aos Encontros de Cascais… todos descobrem uma boa receita. Mas são muito antigas. Insistem em caminhos e medidas velhos como as casas, do tempo em que só havia casas velhas... e que nos conduziram à situação de desastre em que nos encontramos. Sempre na busca de novos bodes expiatórios. Mas esquecendo sempre o que não era possível esquecer. Exemplo: a economia portuguesa está estagnada desde 2000, mas nunca se «lembram» que essa é a data em que trocamos escudos por euros…

O grande capital nacional não fica para trás e multiplica as iniciativas para o «social». Depois do grupo de empresários mobilizados por Cavaco Silva para responderem ao insucesso escolar (o que será feito deste projecto?), os grupos Mello, Amorim e Sonae (e mais 39) criaram a Business Roundtable Portugal para se  empenharem no crescimento e boa governança das pequenas empresas (os predadores transfiguram-se em salvadores!). Mais recentemente 50 grandes empresas, sob a inspiração da Fundação José Neves (Farfetch) e sob o alto patrocínio da Ministra do Trabalho, subscreveram um Pacto «Para mais e melhores empregos para os jovens». Os responsáveis pela precariedade e baixos salários vão agora resolver o problema...

Mas o que propõem de facto? Liberalizar o mercado de trabalho, reduzir o «peso do Estado», reduzir os impostos às empresas (para atrair o capital estrangeiro, naturalmente), liberalizar os licenciamentos para acabar com a burocracia e pelo caminho agredir o «ambiente» que querem salvar, avançar com a capitalização na Segurança Social, acabar com as «visões ideológicas» no SNS, recuperando as PPP, distribuir o Cheque Ensino, fazer crescer a arbitragem na justiça económica, e etc…Tudo grandes novidades! Os «Dean» é que sabem. O da Católica (Filipe Santos) (18) interroga-nos com uma disjuntiva sobre «qual o caminho para a prosperidade de Portugal»: «Crescimento ou igualdade». O actual modelo económico é injusto: o mérito «não é recompensado». Logo, opção por modelo que «aposta no crescimento económico, dinamizando o sector empresarial, incentivando o esforço dos cidadãos e recompensando o mérito». Logo: «aligeirar o peso do Estado e libertar a iniciativa privada». «O foco é na igualdade de oportunidades para todos, não na igualdade de nível de vida. A prestação de serviços é tendencialmente privada para promover a competição e a inovação e dinamizar a economia, focando o Estado nas funções essenciais – Defesa, Segurança, Justiça, Administração Interna, Regulação e grandes investimentos estruturais.» É o Programa da IL e não está sozinho. A Professora do ISEG, Sandra Maximiano, afirma «Ter esta cultura de meritocracia é extremamente importante, seja no sector privado seja no sector público. A história de sermos todos iguais e pobres não nos vai levar a absolutamente lado nenhum.» Bem pode alguém dizer que «A meritocracia bloqueia a igualdade de oportunidades»... (15)       

O bricabraque da nova economia e a verborreia tecnocrática dos «geek» da web-summit preenche todas as necessidades da «economia política» de Marcelo a Moedas, passando pelo Ministro da Economia: start-up, unicórnios (o Moedas quer uma fábrica!), os “vistos gold” (um verdadeiro sucesso de investimento, pois criaram 280 postos de trabalho em 10 anos com 3,5% do montante total do investimento no mercado imobiliário!) e agora os nómadas digitais, (o esquema de Ponzi d)as bitcoins e criptoactivos, a finança verde e a «sustentabilidade» dada pelo  certificado ESG (Environmental, Social and Governance). (19)

Uma constante não ultrapassada por esta pós-modernidade tecnocrática e meritocrática: os velhos lucros, uma velharia sempre nova e presente. Mas claro, sem nunca em falar de lucros excessivos, extraordinários ou especulativos! Não são conhecidos dessa «economia política» «os lucros monopolistas», embora clássicos da economia, não marxistas, sempre tenham falado deles. Nunca ouviram o insuspeito Victor Bento (20) falar da predação dos sectores de bens transaccionáveis pelos sectores olipolizados de bens não transaccionáveis (crédito, energia, telecomunicações, etc.)... A mesma ignorância, quando estudos diversos de insuspeitas fontes demonstram a responsabilidade do poder monopolista e o abuso de posições dominantes de mercado  no aumento especulativo e inflacionário dos preços de bens alimentares e da energia!                          

 

5. Da continuidade da política de direita pelo Governo PS

 

Se houvesse dúvidas sobre a natureza da política do Governo de maioria absoluta PS, o esclarecimento brotou vivaz e cristalino do OE2023. Aliás, na continuação e continuidade absoluta do OE2022, o tal «OE de esquerda» que o PCP, ignorante, chumbou! O insuspeito banqueiro Ulrich, chairman do BPI, proferiu a sentença definitiva: «o Orçamento de Estado para 2023 é do ponto de vista global positivo e equilibrado»! E o Acordo de Rendimentos «parece-me corajoso e ambicioso»! 

Estamos perante um instrumento político para assegurar continuidade da transferência de rendimentos do trabalho para o capital – o peso  (ajustado) dos salários no PIB vai cair 2,4 pontos percentuais em 2022 e 0,8% em 2023 (de 55,7% em 2021 para 53,3% em 2022 e para 52,5% em 2023). (Com a troika tinha caído em 2012 face a 2011, 1,5 pontos percentuais!). Em 2021, ainda ano de covid e confinamentos, os lucros atingiram em Portugal um valor histórico de 25 688 mM€! Como 41% das micro empresas tiveram resultados negativos adivinhe-se quem foi premiado com o jack pot! Lucros que continuaram a crescer à grande e à americana nos três primeiros trimestres de 2022! Um OE para fazer colapsar o consumo privado (de um crescimento real de 5,4% em 2022 para a estagnação de 0,7% em 2023), e logo um forte golpe no mercado interno. Ou seja, um ataque em força aos rendimentos das pequenas empresas!

Um orçamento que acompanha uma dita Agenda do «trabalho digno» garantindo a redução real dos salários dos trabalhadores públicos e privados, e inevitável crescimento da precariedade, a começar na Administração Pública! Um OE para garantir a continuação dos inaceitáveis níveis de pobreza, nomeadamente de trabalhadores pobres e de carências materiais de milhares de famílias. Um «trabalho digno» mas sem contratação colectiva, com a bênção do BdP que, no seu Boletim de Outubro, vem fazer da «contratação colectiva» um factor de «rigidez» do mercado de trabalho...Ou seja: acabe-se com a contratação colectiva. Uma Agenda para o trabalho digno» com mais de 120 mil trabalhadores desempregados sem subsídios de desemprego, o 3.º pior da Europa em acidentes de trabalho e comtemporiza com escandalosa exploração de imigrantes. Um OE para garantir que vai continuar a degradação do SNS e da Escola Pública! Um OE que acena à recuperação das privatizações, como se anuncia para a TAP, a SATA e a Efacec, nos cuidados primários de saúde, e o retomar das PPP como parece estar garantido para a ferrovia de Alta Velocidade e provavelmente em hospitais (nada de ideologias!) para maior glória dos Fundos de Investimento, que até podem contar com bónus dados por algum tribunal arbitral...

O PS assume, como escreveu alguém, um governo de iniciativa liberal, assumindo sem rebuço, ou qualquer constrangimento ideológico social-democrata, toda a cartilha neoliberal, toda a ganga tecnocrática da especulação financeira, todos os ditames da UE das «contas certas». Costa melhor aluno que Cavaco!    

Não está fácil a vida para o PSD e companhia. Vai chorando a pitanga dos baixos salários, das desigualdades, da pobreza... Mas em cada debate na Assembleia da República, o 1.º Ministro sublinha (e com razão dizemos nós) que o guia da política económica do seu governo é o Livro «Portugal – Liberdade e Esperança, Uma visão para Portugal 2030 de Joaquim Miranda Sarmento, líder do GP do PSD! E é verdade, tem a matriz das opções e orientações das medidas que o Governo  PS executa!

Resta ao PSD: os «casos e casinhos», mas dissolvem-se rapidamente na poeira mediática do correr dos dias; a ladainha das «Reformas Estruturais» pregadas por Bruxelas, a OCDE e tutti quanti... mas o Costa lá vai engrolando a Comissão Europeia; a jaculatória das CIP e outras para a redução do IRC, mas o PS vai satisfazendo as necessidades do grande capital...como esteve patente nas imagens risonhas dos chefes da CIP e de outras confederações do grande capital nos festejos do  Acordo de Rendimentos! E  a privatização total da saúde e do ensino... mas o PS também se vai antecipando com o Ministro Pizarro a anunciar «unidades de saúde familiar privadas» e etc. Recupera Passos e Portas... mas não chega, e por isso vai abraçar o Chega e aconchegar a IL fragilizada.

 

6. Mudar de rumo

 

A Política Patriótica e de Esquerda que o PCP propõe é realizável com a força e a luta dos trabalhadores e do povo português. Com o alargamento da influência social, política e eleitoral do PCP e da CDU. Com a mobilização dos recursos nacionais, com a afirmação do direito do país a um desenvolvimento soberano. Um caminho que exige a ruptura com a política de acumulação monopolista de sucessivos governos PS, PSD e CDS. Um caminho assente na ruptura com as políticas e orientações da União Económica e Monetária, do Tratado Orçamental, da Governação Económica da União Europeia.

Invocam-se os elevados custos do enfrentamento e confronto com as políticas impostas pela União Europeia e o Euro. A questão fundamental são os custos de não arrepiar caminho. Os custos de não fazer a ruptura e dar continuidade à política de direita. Os custos de décadas de declínio económico e social. Os custos da exaustão do país no pagamento da dívida e nos limites do défice, sem dinheiro para a saúde e educação dos seus cidadãos e para os investimentos nas infraestruturas e equipamentos necessários. Os custos demográficos, da emigração, envelhecimento e desertificação humana! Os custos de amarrar o país a décadas de estagnação, apontando como futuro, a esta comunidade com quase nove séculos de história, o deixar de ter futuro!

Abrir caminhos para a mudança de rumo significa optar pela recuperação pelo Estado do comando político da economia, com a afirmação da soberania nacional e o combate decidido à dependência externa, questão decisiva de uma política alternativa, exigência reforçada pelo contexto da globalização capitalista e da integração comunitária. O que exige:

A subordinação do poder económico ao poder político, com o combate a uma estrutura económica monopolista, o exercício e assumpção pelo Estado das missões e funções constitucionais na organização e funcionamento da economia.

A afirmação da propriedade social e do papel do Estado em empresas e sectores estratégicos.

A renegociação da dívida articulada com a intervenção com vista ao desmantelamento da União Económica e Monetária e a necessária libertação do país da submissão ao Euro, visando recuperar instrumentos centrais de um Estado soberano (monetário, orçamental, cambial).

A eliminação de condicionamentos estratégicos pelo controlo público de sectores como a banca e a energia.

A defesa de outras políticas económicas e financeiras da União Europeia visando a convergência real das economias e a coesão económica e social, nomeadamente a revogação do Tratado Orçamental e da União Bancária, do Programa de Estabilidade, da «Governação Económica» e do «Semestre Europeu»

e a criação de um programa de apoio aos países cuja presença no Euro se tenha mostrado insustentável, a par da revisão de outras políticas comuns, como da agricultura, pescas, indústria e comércio externo.

Só assim estaremos em condições de concretizar cinco questões nucleares para a sobrevivência e o futuro do país: a sustentabilidade demográfica e o pleno emprego; a redução das desigualdades sociais, a eliminação da pobreza e a correcção das assimetrias regionais, em primeiro lugar com o aumento de salários, emergência nacional; o fortalecimento quantitativo e qualitativo do tecido empresarial; um aparelho do Estado para sociedade portuguesa no século XXI, nomeadamente travando a degradação da Administração Pública pela sangria de recursos humanos e insuficiência, e não renovação de equipamentos/meios materiais; a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional e a afirmação da propriedade social e do papel do Estado na economia. A defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, com uma reindustrialização pelo desenvolvimento da indústria transformadora e extractiva, o desenvolvimento da agricultura e das pescas garantindo a soberania alimentar; a afirmação de uma economia mista com um forte sector público e o apoio às explorações familiares, à pesca artesanal e costeira, às micro, pequenas e médias empresas e ao sector cooperativo. O que exige um incremento substantivo dos investimentos público e privado, uma profunda alteração na gestão dos fundos comunitários e nas políticas de formação, investigação e desenvolvimento tecnológico (I&DT), crédito, energia e comércio externo, a reversão das privatizações e a recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos, constituindo um Sector Empresarial do Estado forte e dinâmico e a definição de uma estratégia para a economia digital no respeito pelo quadro constitucional.

 

Notas

 

(1) O artigo tem por base a intervenção feita sob o mesmo título na Conferência Nacional do PCP, de 12/13 Novembro, Corroios/Almada.

(2) Na recente sessão de Davos, no seu Relatório de Risco Global, o Fórum Económico Mundial (WEF) faz uma avaliação do estado do capitalismo global na presente década «chocante», como alguém a caracterizou. Algumas citações: «a próxima década será caracterizada por crises ambientais e sociais, impulsionadas por tendências geopolíticas e económicas subjacentes». «A inflação continua impulsionada pela oferta pode levar à estagflação, cujas consequências sócio-económicas podem ser graves, dada uma interacção sem precedentes com níveis historicamente altos de dívida pública. A fragmentação económica global, as tensões geopolíticas e a reestruturação mais rígida podem contribuir para a angústia generalizada com a dívida nos próximos 10 anos.» «a tecnologia exacerbará as desigualdades»; «as crises de alimentos, combustíveis e custos exacerbam o desenvolvimento humano, corrói a resiliência futura».

(3) Dados recentes (INE, Banco de Portugal, Revista Exame) permitem confirmar a enorme e crescente concentração de riqueza no país. Ao mesmo, tendo por base rendimentos de 2021, dois milhões de portugueses encontravam-se em 2022 em risco de pobreza ou exclusão social (19,4%). Numa síntese: as 40 famílias mais ricas do país têm uma riqueza líquida média de 750 milhões de euros e as 50% mais pobres (cerca de 2 milhões de famílias) têm uma riqueza líquida média de 31,3 mil euros, sendo que neste caso, mais de 80% da sua riqueza seja a habitação própria.

O «Retrato de um país (muito) desigual» do Expresso de 28JAN22, com recurso também a dados do Eurostat e OCDE, conclui que «Portugal tem elevados níveis de desigualdade do rendimento, mas mais ainda ao nível da riqueza».  

(4) Ver artigo de João Ferreira, in «O Militante» de Janeiro 2023.

(5) Manuela Ferreira Leite, Expresso, 04NOV22.

(6) João Vieira Pereira, Expresso, 21OUT22.

(7) Henrique Raposo, Expresso, 21OUT23; esta tese de Henrique Raposo foi recentemente desenvolvida em longo artigo da Revista Expresso (20JAN23), «A cura da pobreza». Vale a pena ler a síntese: «Através da revolução epigenética, uma nova neurociência da pobreza mostra-nos que a miséria extrema é sobretudo a manifestação de um grupo de doenças mentais. Aquilo que sempre foi visto como o “comportamento à pobre” é, na verdade, um conjunto de sintomas do campo da saúde mental. Ou seja, a pobreza pode ter um tratamento ou mesmo uma cura». A ilustração do texto não deixa lugar a dúvidas, um boné de pobre de pedir, onde a par de algumas moedas, está uma pílula! A pobreza trata-se na farmácia...

(8) João Vieira Pereira, 28OUT22.

(9) Henrique Raposo, 28OUT22.

(10) Sábado, 26JAN23.

(11) Revista do Expresso, 20JAN23.

(12) Os mesmos (EUA e UE) que forçaram no plano mundial a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC) em nome de regras para uma concorrência sã e não distorcida pelas ajudas de Estado, não hesitam agora em abrir uma guerra comercial, com vultuosas ajudas públicas às suas economias, sem qualquer consulta ou negociação multilateral! O imperialismo é mesmo assim...

(13) Escândalos maiores e mais recentes: o do Cartel da Banca, um processo iniciado em 2012 que corre agora o risco de prescrever anulando a coima global de 225 milhões de euros (a distribuir por 11 bancos); a colusão do grupo das três operadoras de telecomunicações – MEO, NOS e Vodafone – de um aumento comum das taxas de 7,8%, com a entidade reguladora ANACOM, limitada na sua intervenção a propor uma alteração na fidelização máxima obrigatória de seis meses.

(14) Pacheco Pereira, Sábado, 02FEV23: «o descontentamento social é generalizado em Espanha, em França, no Reino Unido... e em Portugal. De um modo geral, são forças da direita radical que têm beneficiado desse descontentamento, do agravamento da pobreza, do empancamento do elevador social e da perda de status de classe média, com uma “crise de futuro” generalizada».

(15) M. Sandel publicou a «Tirania do mérito» e D. Markovitz a «Armadilha da meritocracia». Este, em entrevistas que deu quando veio a Lisboa, afirmou: «A meritocracia bloqueia a igualdade de oportunidades» e que «A desigualdade económica nos Estados Unidos (o paraíso da meritocracia) produz hoje uma maior desigualdade em termos de educação do que o «apartheid» americano em meados do século XX»; «A classe média está a ser destruída de muitas maneiras. A mobilidade social não está num movimento ascendente, bem pelo contrário».

(16) Manuel Carvalho, Editorial do Público, «A desigualdade que augura uma catástrofe», 17JAN23.

(17) No confronto com o Fórum de Davos a OXFAM divulgou o seu Relatório anual sobre a desigualdade: «Nos últimos dois anos os 1% mais ricos do mundo ganharam quase o dobro da riqueza dos restantes 99%»! Segundo o Crédit Suisse a riqueza global aumentou 9,8% em 2021, bem acima da média anual de 6,6% verificada desde o início do século. Excluindo alterações cambiais (“movimento de moedas”) a riqueza global agrupada cresceu 12,7%. Este  aumento resultou de 2 factores: o aumento acentuado dos preços dos imóveis e o boom do mercado de acções alimentado pelo crédito. Ou seja, esse aumento da riqueza foi para os mais ricos do mundo!

(18) Filipe Santos, Jornal de Negócios, 03JAN23.

(19) ESG, é certamente ao abrigo desta marca registada de «sustentabilidade», que grandes empresas dos EUA – grandes bancos de investimento de Wall Street (Goldman Sachs, Morgan Stanley, Citigroup, etc.) e as chamadas grandes tecnológicas (Microsoft, Google, Amazon etc.) – preocupadas com o cumprimento do «S» de social estão a despedir milhares de trabalhadores e que outras  responsabilidades assumidas pelo «E» de ambiente, caso de algumas petrolíferas, foram denunciadas pelo seu empenhadamento na «lavagem verde».

(20) Vítor Bento, «O Nó Cego da Economia», 2010.

Sem comentários: