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15 de março de 2023

Parar com a loucura

Das redes sociais

João Melo
Opinião/ DN
Não me apercebi (falha minha?) de tê-lo lido na imprensa mainstream local, mas, segundo os serviços de informação da ONU, Roger Waters, músico do icónico grupo inglês Pink Floyd, fez uma intervenção no último dia 8, durante uma sessão especial do Conselho de Segurança sobre as ameaças à paz e à segurança internacionais, em que, corajosamente, defendeu posições contrárias às propaladas pela propaganda, tanto ocidental como russa, acerca do conflito na Ucrânia.

Resumidamente, disse ele: a guerra desencadeada em fevereiro de 2022 pela Rússia é ilegal, mas foi longamente provocada pelo Ocidente. Por isso, acrescentou, ele condena tanto os que começaram a guerra, como os seus provocadores. Waters, que disse falar em nome da maioria dos sem voz neste conflito e de todos aqueles que não ganham nada com a indústria bélica, fez um apelo vibrante a um cessar fogo imediato, sem ifs (ses) nem buts (mas).

Apenas dois dias depois, o Papa Francisco, em entrevista a um canal de televisão suíço, considerou a guerra na Ucrânia um conflito entre interesses imperialistas (sem aspas, aproveito eu para dizer). "Há [na guerra ucraniana] interesses imperialistas, não apenas do império russo, mas dos impérios dos outros lados. As grandes potências estão todas envolvidas. É típico dos impérios colocar as nações em segundo lugar", disse.

Por enquanto, e embora estejam a aumentar, vozes como essas ainda parecem em minoria não apenas no discurso público do Ocidente, incluindo jornalistas (?) e intelectuais, mas na atuação dos seus políticos. Parafraseando Viriato Soromenho-Marques neste jornal, no passado dia 25 de fevereiro, vive-se um momento em que "a pulsão da morte se liberta com particular exuberância".

O autor lembrou algo em que é imperioso insistir sempre, contra os arautos da guerra pela guerra: o eventual sucesso da Ucrânia, ou seja, a sua vitória militar, a acontecer, não deve ser "uma vitória de soma zero, pois haveria interesses fundamentais da Rússia a ter, desejavelmente, em conta". E acrescentou: -- "Levada ao limite, a Rússia, ao contrário da União Soviética, não parece inclinada a perecer sozinha".

É bom lembrar quais são alguns dos interesses russos que é avisado levar em conta: a expansão da OTAN até às suas fronteiras e, principalmente, o estatuto das regiões russófonas da Ucrânia. Recorde-se igualmente que isso não seria problema nenhum, caso os acordos de Minsk, assinados em 2015, tivessem sido cumpridos. Mas sabemos agora, pelas revelações de Ângela Merkel e François Hollande, que nem as autoridades ucranianas nem a OTAN pretendiam respeitar tais acordos. Omitir esse facto na identificação de responsabilidades para a guerra iniciada pela Rússia em 2022 tem nome: desonestidade.

A necessidade de atender aos interesses russos em certas regiões da Ucrânia, em nome da paz, não significa -- esclareça-se -- negar aos ucranianos o direito de possuírem um país independente e soberano. 

Como sublinhou o analista angolano Jonuel Gonçalves, em artigo recente na revista Athena (3 de março de 2023), a Ucrânia, embora seja um estado recente (está independente desde 1991), "é uma comunidade e um território muito antigos, igual a alguns estados leste-europeus, à quase totalidade do continente africano ou a países da Ásia-Pacífico". Entretanto, acordos de natureza variada entre países que partilham certas comunidades são comuns na história da humanidade.

A pretensão de influentes círculos ucranianos no sentido de edificarem uma nação "pura" e "nórdica", classificando de "sub-humanas" as populações de origem russa, além de não ter nada a ver com a pretensa "batalha pela democracia" em curso na região, não é, evidentemente, boa conselheira. Muito menos o é a estratégia do complexo EUA/OTAN no sentido de enfraquecer a Rússia, visando o seu verdadeiro alvo: a China.

É preciso parar com toda esta loucura imediatamente, antes que seja tarde demais para toda a humanidade.

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