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19 de março de 2024




O partido à frente do (seu) tempo (II)

Agostinho Lopes

No seu artigo no Público de 15 de Fevereiro de 2024 (1) Manuel

Carvalho (MC) tece ainda considerações críticas sobre as posições

internacionais do PCP, sobre os resultados das sondagens

“madrastas” para o PCP e as causas das dificuldades do PCP em

fazer-se ouvir na sociedade portuguesa.

- Sobre as questões internacionais (Ucrânia, Rússia, China e

etc) MC repete, cansativamente, a cassete que o anticomunismo

em Portugal reelaborou (copiando o que a propaganda americana

elaborou) desde o 1º dia da Guerra da Ucrânia. Não há a

perigosíssima estratégia dos EUA, o caminhar para leste da NATO

contrariando tudo o que tinham dito após o fim da URSS, a

conspiração dos EUA com Nuland e o correspondente Golpe de

Estado de Maidan em 2014 (que mereceu um alerta do PCP na

Comissão Parlamentar de Defesa da AR junto do Ministro da

Defesa do Governo PSD/CDS), os milhares de mortos no

Dombass e a política anti-russófona do Regime de Kiev na boa

companhia de bandeiristas e c.ia, o incumprimento dos Acordos de

Minsk que Hollande e Merkel subscreveram para dar tempo ao

armamento da Ucrânia, não há as tentativas da procura pela

Rússia antes de 2022 de um acordo de segurança mútua e não

adesão da Ucrânia à NATO, e já depois de iniciada a invasão, a

procura de um acordo de paz sabotado pelos EUA, pressionando e

levando Zelensky a inviabilizá-lo em 9 de Abril de 2022…Mas

apesar disto tudo o PCP criticou a intervenção militar da Rússia e

continua a insistir até hoje naquela que é a única saída: as

negociações de paz.

Foi e é absolutamente colossal o esforço para esmagar o PCP sob

o rolo compressor da propaganda imperialista transformada em

voz única do conflito depois da censura decretada pela UE (e EUA)

à informação divergente e contraditória de outras fontes. E é

espantosa a cacofonia das pretensas explicações/justificações

(com as mais diversas e estranhas origens) para a posição do

PCP: “ranço soviético e antiamericanismo primário”, “olhar o

mundo na perspectiva saudosista da Guerra Fria” (MC, P,

11MAR22); “durante toda a sua existência, o PCP tem

permanecido fiel ao ideário político de Moscovo, apesar das

mutações que este sofreu durante décadas”, “Hoje o PCP continua

a seguir as teses emanadas do Kremlin” (AC, DN, 22ABR22);

“desconhecimento da história”, “deixou-se encurralar numa ideia de

anti-imperialismo que só tem um lado” (PP, JN, 24ABR22) “uma

espécie de reconstrução da URSS pela força das armas” (PP, P,

30DEZ23); “a obsessão do PCP contra a UE, a NATO ou os EUA,

que tantos consideram a razão das posições de apoio a Putin”, “o

PCP apoia os desejos imperiais russos e secunda a guerra deles

contra as democracias porque sabe que cada pedaço de terra

conquistado à Ucrânia é mais um abalo nas democracias liberais”

(PML, V, 13ABR22); “Um partido que está, essencialmente, contra”

(JM, DN, 24ABR22); “agarrado à tralha ideológica da antiga União

Soviética” (VR, iN); “Cunhal deixou um lastro que impede o PCP de

raciocinar” (DL, DN, 15MAR22); “O Bloco de Esquerda é

constituído por pessoas que descobriram que a Rússia era uma

potência imperialista muito antes”, “Nós não somos como uma

parte do PCP que ainda, de alguma maneira, acha que Putin é o

herdeiro da União Soviética” (FR, P, 26MAR22). (2)

Não são apenas algumas especulações infames, inclusive de

alguns cujas meninges continuam a funcionar como se a Rússia

fosse hoje de facto a continuação integral (política, ideológica e

estatal) da URSS e não um Estado capitalista para que foi

empurrada pelos conselheiros de Washington com a criação de

uma poderosa oligarquia predadora à custa do património do povo

soviético, bem semelhante às que dominam e comandam as

“democracias liberais” do Ocidente. O actual regime político da

Federação Russa, com o qual o PCP não tem qualquer

proximidade ou identificação política ou ideológica, bem pelo

contrário, é inseparável do sistema capitalista oligárquico instalado,

com as marcas de uma “transição” do regime socialista guiada pela

“escola” dos que inspiraram e ajudaram Pinochet a instalar o

regime pós golpe fascista de 11SET73.

Mesmo que seja necessário conhecer melhor a actual situação

decorrente do processo de travagem do saque externo e

destruição da Rússia, a que se juntam agora as inevitáveis

consequências da guerra (incluindo sanções, alterações nas

relações e mercados externos, etc.) no seu regime político,

estrutura e funcionamento da sua economia.

Os que proferem aquelas atoardas sobre o PCP assumem a

Federação Russa como a URSS sob outro nome, dando alguns

continuidade à sua antiga diabolização – quem não se lembra do

“social-fascismo imperial russo” do esquerdismo pequeno-burguês

de fachada socialista ou da “Rússia comunista que comia

criancinhas e cuspia nas santinhas” dos legionários fascistas, ou

do “império do mal” de Reagan, Bush e seus comparsas da UE, e

etc., etc., etc.. É a total irracionalidade e vacuidade de argumentos

de quem não sabe o que há-de dizer. É como se o PCP, de forma

absurda, programasse para si e contra si próprio, sob razões, e até

fantasias idiotas e sem sentido, um caminho de auto-flagelação,

decidido a suicidar-se politicamente. No mínimo aquelas

alarvidades contrariam a avaliação do MC do PCP, que se contraria

a si próprio, ao escrever que o PCP tem o “mérito de definir o seu

lugar na política pela razão, coerência, sensatez e recato”.

Os que dizem estar o “PCP do lado errado da história” são

certamente os que, suma hipocrisia, sempre do lado errado da

História, do lado do imperialismo, nunca viram invasões,

massacres, crimes de guerra, destruição de países e anexações

de territórios de países soberanos...da parte deste Ocidente, sob a

batuta dos EUA. Não viram o que aconteceu, sem irmos muito

atrás, na Jugoslávia, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria,

no Iémen…E, pior, nunca contestaram e confrontaram as forças

políticas nacionais cúmplices desse terror e dessas violações do

direito internacional.

E não precisamos de falar do que acontece em Gaza. É de registar

o silêncio que fazem aqueles que atacam o PCP pelas suas

posições sobre a Ucrânia, quando nunca, ou quase nunca, referem

destacadas personalidades nacionais e estrangeiros, que julgamos

insuspeitas de proximidade política e ideológica do PCP, algumas

bem pelo contrário, que muito confortam o PCP nas posições

assumidas. Entre muitas relevaria três: Viriato Soromenho

Marques, Professor Universitário, salientando o seu artigo

“Defender a causalidade dos seus inimigos” (3); Jeffrey D. Sachs,

Professor da Columbia University (NYC) e Director do Centro para

o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções

Sutentáveis da ONU, conselheiro de três S.G. da ONU e

escolheria, entre outros, o seu artigo “Os nove anos da Guerra da

Ucrânia” (4) e Fawaz A. Gerges, Professor de Relações

Internacionais na London School of Economics com o seu texto “O

fracasso do Ocidente.” (5) Se o PCP está do lado errado da

história, sublinhe-se, está em boa companhia. (Ver Notas).

MC gostaria de outras posições internacionais por parte do PCP,

segundo MC hoje marcadas por “simpatias veladas” por “tiranias” e

“criticas mais assertivas aos comunismos da China e Coreia do

Norte”. Talvez fosse de começar por fazer a lista das tais tiranias

no mundo...fora da classificação da máquina de propaganda

ianque. O PCP foge dos simplismos de análises e leituras

dicotómicas de quem, aparentemente, esquece a complexidade

histórica das situações que o mundo vive hoje e não abandonará

importantes princípios das relações internacionais, aliás inscritos

na Constituição da República Portuguesa, como o direito dos

povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento,

o da igualdade soberana e de direitos entre os Estados, o da não

ingerência nos seus assuntos internos, o da solução pacífica dos

conflitos internacionais ou o da cooperação com os povos do

mundo. E também não abandonará a sua irrecusável solidariedade

com forças políticas e povos que afirmam projectos progressistas,

e o demonstram nas suas orientações e práticas. Porque

sobretudo está solidário com a sua luta pela soberania nacional

contrariando as tentativas do imperialismo de lhes pôr a pata em

cima.

Com a arrogância imperial de quem nos últimos anos não hesita

sequer em fabricar e escolher quem é o Presidente da República

ou o líder da oposição de países soberanos de que não gostam...

Nunca o PCP estará desse lado, com todas as dúvidas e

discordâncias que tem em muitas matérias e opções relativamente

a países visados pela ofensiva imperialista. E também não venderá

nunca esses princípios e essa solidariedade por votos ou as boas

graças dos media. O oportunismo político é incompatível com o

PCP!

- Sobre as sondagens. Julga-se que MC sabe que o PCP existiu

durante mais de 50 anos, sem eleições, sem votos e

sem...sondagens. Para MC “bem para lá de indícios de uma crise

passageira” mostrariam um “Partido em agonia seguindo um

caminho para uma possível irrelevância”, à semelhança do que diz

ter acontecido com os “defuntos partidos comunistas europeus”, o

que é uma generalização abusiva e falsa. Para o PCP, que muito

valoriza os votos que o povo português lhe tem confiado, e que

tudo faz para ter mais e mais votos, inclusive na batalha eleitoral

de 10 de Março, os melhores ou piores resultados eleitorais não o

arredarão “de valores e de princípios que fazem falta” e de um

“modo de ser e estar” que MC recordou, na concretização do seu

Projecto configurado pela sua doutrina, “verdadeiramente

revolucionário”, empenhado na “democracia” e preocupado pela

“degenerescência do debate público”.

No dia em que o PCP se guiasse nas suas opções políticas pelas

votações, pelas sondagens, pelos lugares do poder político do

Estado, deixaria de ser o Partido Comunista Português. Se o

fizesse, aí sim, os seus militantes, simpatizantes, o povo português

teriam razões para ficar preocupados…Mas sobre as sondagens

MC já deveria ter apreendido também que elas não são de fiar…

Sabemos bem o que as suas percentagens e textos anexos, para

lá de vender jornais e audições, visam. Os comentários e ilações

de MC sobre as sondagens e o PCP, são um excelente exemplo.

Sabemos as suas consequências em matéria de resultados

eleitorais… mas não nos levarão com elas.

- Sobre a “dificuldade do PCP em fazer-se ouvir”, “Na

comunicação social tradicional” e nas “redes sociais”. MC

explica: “O PCP e o seu líder pensam como no passado e agem

como no passado. É este o “segundo desfasamento do presente”.

Diz MC que “Na comunicação social tradicional vão tendo o tempo

e o espaço de um pequeno partido”. Era bom mas é mentira. E

sabe-o melhor que ninguém MC que durante anos foi Director do

Público, e conhece bem a marginalização, discriminação,

apagamento do PCP e das suas actividades face a partidos da sua

dimensão, e pior, mesmo quando o PCP, era a 3ª força

parlamentar, no número e na dimensão das notícias, nas

fotografias, na presença de articulistas regulares. MC não precisa

que lhe recordemos os muitos exemplos chocantes desses opções

e procedimentos. Bastará que lhe lembre o que respondeu um

insuspeito (e saudoso) Provedor do Leitor do Público, Paquete de

Oliveira a uma reclamação do PCP: “mais que uma vez já notei

que o Público deveria equilibrar com textos dessa proveniência

partidária mais espaço”. (6)

Mas não é apenas o espaço ocupado ou a frequência da

participação do PCP. É o tipo de conteúdos, análises e

caracterizações que enformam o que vai sendo informação sobre o

PCP, a sua objectividade e neutralidade político-partidária. Sem

que tal signifique pôr em causa a natural independência e

avaliação própria do jornal/jornalista. É claro, que infelizmente tal

não acontece apenas com esse exemplar da “comunicação social

tradicional” que é o Público! É a “tradição” na imprensa escrita, nos

canais de rádio e televisão. Assim é, não como MC avalia, nem

pouco mais ou menos. Mas como aliás é reconhecido inclusive por

responsáveis da Entidade Reguladora para a Comunicação Social,

ERC.

Depois MC entra no “mundo pantanoso das redes sociais”. E vê

bem o que se passa com o PCP: “as suas mensagens não

dispõem daquele dramatismo, demagogia, ou populismo que

lastram como vírus” no pântano! “Todos os partidos e em particular

o Chega e a Iniciativa Liberal, têm os seus taliban competentes a

espraiar notícias sobre a proximidade do fim do mundo, sobre a

venalidade dos políticos, ou sobre a urgência de varrer o que

existe do poder para se fazer um admirável mundo novo”. No PCP

há para MC “taliban ideológicos mas nas ideias”, mas não “nas

artes de incendiar os debates com post de 140 caracteres.” e a

“ponderação” que “Paulo Raimundo reclama, dilui(-se) na

irrelevância.” Esperamos apenas que MC não deseje que o PCP

enverede por tão ínvios caminhos, que dizendo alguns que são os

de Cristo, não parece que sejam os que servem a democracia e o

país. Em nome da sua forma de ser e estar, dos seus valores e

princípios, e da sua “práxis política”, o PCP não o fará, por mais

irrelevância que a que os arautos o condenem, por maior que seja

o seu dito “desfasamento do presente” e más sondagens que se

publiquem!

Amarrados ao passado, e ao que no presente vem desse passado,

mergulhados no pântano da exploração capitalista, subservientes

perante os mandantes imperiais na opressão dos povos e

renitentes a qualquer mudança que ponha em causa a

permanência do seu domínio, os media do capital não querem

ouvir, tapam todos os sentidos a quem lhe quer falar do futuro, do

socialismo e do comunismo, do seu país e do seu povo, com

seriedade, coerência e apelando à racionalidade. Mas não há

rocha que impeça a semente de germinar e a raiz de crescer, e a

árvore de ver a luz do sol. Nem que tenha que rebentar o granito.

Contrariamente ao que escreve MC, o PCP não é um partido “duas

vezes fora do tempo”, mas, seguro e certo, um partido à frente do

seu tempo! No presente, um partido do futuro e com futuro.

(1) “O Partido duas vezes fora do tempo”, Público, 15FEV24.

(2) Para evitar confusões, as iniciais de nomes e de jornais

correspondem MC, Manuel Carvalho; AC, António Capinha; PP,

Pacheco Pereira; PML, Pedro Marques Lopes; JM, José Mendes;

VR, Vítor Rainho; DL, Domingos Lopes e FR, Fernando Rosas; P,

Público; JN, Jornal de Notícias; V, Visão; DN, Diário de Notícias e

iN, iNovo.

(3) Artigo do Diário de Notícias de 07OUT23: “O princípio da

causalidade está na base de quase três milénios de pensamento

científico. Esse é, portanto um valor europeu de alcance universal,

que foi impiedosamente atacado na esfera mediática ocidental com

a guerra na Ucrânia. Os mass media deste lado do mundo

caracterizaram a invasão russa da Ucrânia como uma “agressão

não-provocada (unprovoked)”. Não bastava condenar a óbvia

violação do Direito Internacional, era preciso varrer todos os

acontecimentos ocorridos desde o colapso pacífico da URRS em

1991, e o início da guerra de 2022. Tornou-se suspeito analisar 30

anos de diplomacia de Moscovo contra os sucessivos

alargamentos da NATO para Leste, ou os seus reiterados protestos

a partir de 2008, sobre a linha vermelha que a entrada da Ucrânia

para a Aliança Atlântica representaria para a segurança russa

(criando pela proximidade geográfica, uma situação análoga à dos

mísseis de Cuba para os EUA em 1962).”

(4) Artigo do Jornal de Negócios de 30MAR23: “No passado dia 24

de Fevereiro não se assinalou um ano da guerra da Ucrânia, tal

como os governos e media ocidentais referiram. Tratou-se do 9º

ano de guerra. E isso faz uma grande diferença. A guerra começou

com a violenta queda do presidente ucraniano Viktor Yanukovych

em fevereiro de 2014, um golpe que foi ostensivamente – e

veladamente também – apoiado pelo governo dos EUA. Desde

2008 que os EUA pressionavam a NATO no sentido do seu

alargamento à Ucrânia e à Geórgia. O golpe de 2014, que

derrubou Yanukovych, esteve ao serviço da NATO.”

(5) Artigo na Revista do Expresso de 23FEV24: “(…) os Estados

Unidos e outros países ocidentais, principalmente o Reino Unido,

seguem há quase um século uma política externa intervencionista,

militarista e antidemocrática que ignora, em grande parte, os

interesses dos povos do Médio Oriente. Na verdade, as decisões

ocidentais têm sido historicamente motivadas pelo desejo de

reverter o comunismo e garantir o domínio do capitalismo liberal.

(...) A estratégia do Ocidente tem sido um fracasso colossal e este

legado irá atormentar o nosso mundo durante muito tempo.”

(6) Carta electrónica de Paquete de Oliveira de 19MAI15:

“Agradeço a carta que me enviou. Interpreto tem a finalidade de

transmitir-me a sua posição e sentimento em relação a uma

diferente atenção que o PÚBLICO deveria dar a textos de autoria

de personalidades ligadas ao PCP, como acontece relativamente a

outros autores identificados com outros partidos ou movimentos.

Uma vez que diz que acompanha os meus textos da página - o que

me dá um conforto - pois tenho por personalidades do seu Partido,

como é o seu caso, grande respeito, com certeza já reparou que

mais de uma vez já notei que o PÚBLICO deveria equilibrar com

textos dessa proveniência partidária m
ais espaço.”

2 comentários:

Miguel Castro disse...

Todos os comentários,MC,FR,PP etc só serão compreensíveis se vistos pelo prisma de analistas comprometidos,politica ou monetariamente,pois carecem na sua totalidade de inteligência ou visão holística,sem a qual nunca poderão produzir análises coerentes e sérias.
O parte lamentável é sabermos que eles sabem( pelo menos 2 deles tem inteligência suficiente para isso)que estão deliberadamente a ser intelectualmente desonestos.

Pena Preta disse...

Certíssimo