O partido à frente do (seu) tempo (II)
Agostinho Lopes
No seu artigo no Público de 15 de Fevereiro de 2024 (1) Manuel
Carvalho (MC) tece ainda considerações críticas sobre as posições
internacionais do PCP, sobre os resultados das sondagens
“madrastas” para o PCP e as causas das dificuldades do PCP em
fazer-se ouvir na sociedade portuguesa.
- Sobre as questões internacionais (Ucrânia, Rússia, China e
etc) MC repete, cansativamente, a cassete que o anticomunismo
em Portugal reelaborou (copiando o que a propaganda americana
elaborou) desde o 1º dia da Guerra da Ucrânia. Não há a
perigosíssima estratégia dos EUA, o caminhar para leste da NATO
contrariando tudo o que tinham dito após o fim da URSS, a
conspiração dos EUA com Nuland e o correspondente Golpe de
Estado de Maidan em 2014 (que mereceu um alerta do PCP na
Comissão Parlamentar de Defesa da AR junto do Ministro da
Defesa do Governo PSD/CDS), os milhares de mortos no
Dombass e a política anti-russófona do Regime de Kiev na boa
companhia de bandeiristas e c.ia, o incumprimento dos Acordos de
Minsk que Hollande e Merkel subscreveram para dar tempo ao
armamento da Ucrânia, não há as tentativas da procura pela
Rússia antes de 2022 de um acordo de segurança mútua e não
adesão da Ucrânia à NATO, e já depois de iniciada a invasão, a
procura de um acordo de paz sabotado pelos EUA, pressionando e
levando Zelensky a inviabilizá-lo em 9 de Abril de 2022…Mas
apesar disto tudo o PCP criticou a intervenção militar da Rússia e
continua a insistir até hoje naquela que é a única saída: as
negociações de paz.
Foi e é absolutamente colossal o esforço para esmagar o PCP sob
o rolo compressor da propaganda imperialista transformada em
voz única do conflito depois da censura decretada pela UE (e EUA)
à informação divergente e contraditória de outras fontes. E é
espantosa a cacofonia das pretensas explicações/justificações
(com as mais diversas e estranhas origens) para a posição do
PCP: “ranço soviético e antiamericanismo primário”, “olhar o
mundo na perspectiva saudosista da Guerra Fria” (MC, P,
11MAR22); “durante toda a sua existência, o PCP tem
permanecido fiel ao ideário político de Moscovo, apesar das
mutações que este sofreu durante décadas”, “Hoje o PCP continua
a seguir as teses emanadas do Kremlin” (AC, DN, 22ABR22);
“desconhecimento da história”, “deixou-se encurralar numa ideia de
anti-imperialismo que só tem um lado” (PP, JN, 24ABR22) “uma
espécie de reconstrução da URSS pela força das armas” (PP, P,
30DEZ23); “a obsessão do PCP contra a UE, a NATO ou os EUA,
que tantos consideram a razão das posições de apoio a Putin”, “o
PCP apoia os desejos imperiais russos e secunda a guerra deles
contra as democracias porque sabe que cada pedaço de terra
conquistado à Ucrânia é mais um abalo nas democracias liberais”
(PML, V, 13ABR22); “Um partido que está, essencialmente, contra”
(JM, DN, 24ABR22); “agarrado à tralha ideológica da antiga União
Soviética” (VR, iN); “Cunhal deixou um lastro que impede o PCP de
raciocinar” (DL, DN, 15MAR22); “O Bloco de Esquerda é
constituído por pessoas que descobriram que a Rússia era uma
potência imperialista muito antes”, “Nós não somos como uma
parte do PCP que ainda, de alguma maneira, acha que Putin é o
herdeiro da União Soviética” (FR, P, 26MAR22). (2)
Não são apenas algumas especulações infames, inclusive de
alguns cujas meninges continuam a funcionar como se a Rússia
fosse hoje de facto a continuação integral (política, ideológica e
estatal) da URSS e não um Estado capitalista para que foi
empurrada pelos conselheiros de Washington com a criação de
uma poderosa oligarquia predadora à custa do património do povo
soviético, bem semelhante às que dominam e comandam as
“democracias liberais” do Ocidente. O actual regime político da
Federação Russa, com o qual o PCP não tem qualquer
proximidade ou identificação política ou ideológica, bem pelo
contrário, é inseparável do sistema capitalista oligárquico instalado,
com as marcas de uma “transição” do regime socialista guiada pela
“escola” dos que inspiraram e ajudaram Pinochet a instalar o
regime pós golpe fascista de 11SET73.
Mesmo que seja necessário conhecer melhor a actual situação
decorrente do processo de travagem do saque externo e
destruição da Rússia, a que se juntam agora as inevitáveis
consequências da guerra (incluindo sanções, alterações nas
relações e mercados externos, etc.) no seu regime político,
estrutura e funcionamento da sua economia.
Os que proferem aquelas atoardas sobre o PCP assumem a
Federação Russa como a URSS sob outro nome, dando alguns
continuidade à sua antiga diabolização – quem não se lembra do
“social-fascismo imperial russo” do esquerdismo pequeno-burguês
de fachada socialista ou da “Rússia comunista que comia
criancinhas e cuspia nas santinhas” dos legionários fascistas, ou
do “império do mal” de Reagan, Bush e seus comparsas da UE, e
etc., etc., etc.. É a total irracionalidade e vacuidade de argumentos
de quem não sabe o que há-de dizer. É como se o PCP, de forma
absurda, programasse para si e contra si próprio, sob razões, e até
fantasias idiotas e sem sentido, um caminho de auto-flagelação,
decidido a suicidar-se politicamente. No mínimo aquelas
alarvidades contrariam a avaliação do MC do PCP, que se contraria
a si próprio, ao escrever que o PCP tem o “mérito de definir o seu
lugar na política pela razão, coerência, sensatez e recato”.
Os que dizem estar o “PCP do lado errado da história” são
certamente os que, suma hipocrisia, sempre do lado errado da
História, do lado do imperialismo, nunca viram invasões,
massacres, crimes de guerra, destruição de países e anexações
de territórios de países soberanos...da parte deste Ocidente, sob a
batuta dos EUA. Não viram o que aconteceu, sem irmos muito
atrás, na Jugoslávia, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria,
no Iémen…E, pior, nunca contestaram e confrontaram as forças
políticas nacionais cúmplices desse terror e dessas violações do
direito internacional.
E não precisamos de falar do que acontece em Gaza. É de registar
o silêncio que fazem aqueles que atacam o PCP pelas suas
posições sobre a Ucrânia, quando nunca, ou quase nunca, referem
destacadas personalidades nacionais e estrangeiros, que julgamos
insuspeitas de proximidade política e ideológica do PCP, algumas
bem pelo contrário, que muito confortam o PCP nas posições
assumidas. Entre muitas relevaria três: Viriato Soromenho
Marques, Professor Universitário, salientando o seu artigo
“Defender a causalidade dos seus inimigos” (3); Jeffrey D. Sachs,
Professor da Columbia University (NYC) e Director do Centro para
o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções
Sutentáveis da ONU, conselheiro de três S.G. da ONU e
escolheria, entre outros, o seu artigo “Os nove anos da Guerra da
Ucrânia” (4) e Fawaz A. Gerges, Professor de Relações
Internacionais na London School of Economics com o seu texto “O
fracasso do Ocidente.” (5) Se o PCP está do lado errado da
história, sublinhe-se, está em boa companhia. (Ver Notas).
MC gostaria de outras posições internacionais por parte do PCP,
segundo MC hoje marcadas por “simpatias veladas” por “tiranias” e
“criticas mais assertivas aos comunismos da China e Coreia do
Norte”. Talvez fosse de começar por fazer a lista das tais tiranias
no mundo...fora da classificação da máquina de propaganda
ianque. O PCP foge dos simplismos de análises e leituras
dicotómicas de quem, aparentemente, esquece a complexidade
histórica das situações que o mundo vive hoje e não abandonará
importantes princípios das relações internacionais, aliás inscritos
na Constituição da República Portuguesa, como o direito dos
povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento,
o da igualdade soberana e de direitos entre os Estados, o da não
ingerência nos seus assuntos internos, o da solução pacífica dos
conflitos internacionais ou o da cooperação com os povos do
mundo. E também não abandonará a sua irrecusável solidariedade
com forças políticas e povos que afirmam projectos progressistas,
e o demonstram nas suas orientações e práticas. Porque
sobretudo está solidário com a sua luta pela soberania nacional
contrariando as tentativas do imperialismo de lhes pôr a pata em
cima.
Com a arrogância imperial de quem nos últimos anos não hesita
sequer em fabricar e escolher quem é o Presidente da República
ou o líder da oposição de países soberanos de que não gostam...
Nunca o PCP estará desse lado, com todas as dúvidas e
discordâncias que tem em muitas matérias e opções relativamente
a países visados pela ofensiva imperialista. E também não venderá
nunca esses princípios e essa solidariedade por votos ou as boas
graças dos media. O oportunismo político é incompatível com o
PCP!
- Sobre as sondagens. Julga-se que MC sabe que o PCP existiu
durante mais de 50 anos, sem eleições, sem votos e
sem...sondagens. Para MC “bem para lá de indícios de uma crise
passageira” mostrariam um “Partido em agonia seguindo um
caminho para uma possível irrelevância”, à semelhança do que diz
ter acontecido com os “defuntos partidos comunistas europeus”, o
que é uma generalização abusiva e falsa. Para o PCP, que muito
valoriza os votos que o povo português lhe tem confiado, e que
tudo faz para ter mais e mais votos, inclusive na batalha eleitoral
de 10 de Março, os melhores ou piores resultados eleitorais não o
arredarão “de valores e de princípios que fazem falta” e de um
“modo de ser e estar” que MC recordou, na concretização do seu
Projecto configurado pela sua doutrina, “verdadeiramente
revolucionário”, empenhado na “democracia” e preocupado pela
“degenerescência do debate público”.
No dia em que o PCP se guiasse nas suas opções políticas pelas
votações, pelas sondagens, pelos lugares do poder político do
Estado, deixaria de ser o Partido Comunista Português. Se o
fizesse, aí sim, os seus militantes, simpatizantes, o povo português
teriam razões para ficar preocupados…Mas sobre as sondagens
MC já deveria ter apreendido também que elas não são de fiar…
Sabemos bem o que as suas percentagens e textos anexos, para
lá de vender jornais e audições, visam. Os comentários e ilações
de MC sobre as sondagens e o PCP, são um excelente exemplo.
Sabemos as suas consequências em matéria de resultados
eleitorais… mas não nos levarão com elas.
- Sobre a “dificuldade do PCP em fazer-se ouvir”, “Na
comunicação social tradicional” e nas “redes sociais”. MC
explica: “O PCP e o seu líder pensam como no passado e agem
como no passado. É este o “segundo desfasamento do presente”.
Diz MC que “Na comunicação social tradicional vão tendo o tempo
e o espaço de um pequeno partido”. Era bom mas é mentira. E
sabe-o melhor que ninguém MC que durante anos foi Director do
Público, e conhece bem a marginalização, discriminação,
apagamento do PCP e das suas actividades face a partidos da sua
dimensão, e pior, mesmo quando o PCP, era a 3ª força
parlamentar, no número e na dimensão das notícias, nas
fotografias, na presença de articulistas regulares. MC não precisa
que lhe recordemos os muitos exemplos chocantes desses opções
e procedimentos. Bastará que lhe lembre o que respondeu um
insuspeito (e saudoso) Provedor do Leitor do Público, Paquete de
Oliveira a uma reclamação do PCP: “mais que uma vez já notei
que o Público deveria equilibrar com textos dessa proveniência
partidária mais espaço”. (6)
Mas não é apenas o espaço ocupado ou a frequência da
participação do PCP. É o tipo de conteúdos, análises e
caracterizações que enformam o que vai sendo informação sobre o
PCP, a sua objectividade e neutralidade político-partidária. Sem
que tal signifique pôr em causa a natural independência e
avaliação própria do jornal/jornalista. É claro, que infelizmente tal
não acontece apenas com esse exemplar da “comunicação social
tradicional” que é o Público! É a “tradição” na imprensa escrita, nos
canais de rádio e televisão. Assim é, não como MC avalia, nem
pouco mais ou menos. Mas como aliás é reconhecido inclusive por
responsáveis da Entidade Reguladora para a Comunicação Social,
ERC.
Depois MC entra no “mundo pantanoso das redes sociais”. E vê
bem o que se passa com o PCP: “as suas mensagens não
dispõem daquele dramatismo, demagogia, ou populismo que
lastram como vírus” no pântano! “Todos os partidos e em particular
o Chega e a Iniciativa Liberal, têm os seus taliban competentes a
espraiar notícias sobre a proximidade do fim do mundo, sobre a
venalidade dos políticos, ou sobre a urgência de varrer o que
existe do poder para se fazer um admirável mundo novo”. No PCP
há para MC “taliban ideológicos mas nas ideias”, mas não “nas
artes de incendiar os debates com post de 140 caracteres.” e a
“ponderação” que “Paulo Raimundo reclama, dilui(-se) na
irrelevância.” Esperamos apenas que MC não deseje que o PCP
enverede por tão ínvios caminhos, que dizendo alguns que são os
de Cristo, não parece que sejam os que servem a democracia e o
país. Em nome da sua forma de ser e estar, dos seus valores e
princípios, e da sua “práxis política”, o PCP não o fará, por mais
irrelevância que a que os arautos o condenem, por maior que seja
o seu dito “desfasamento do presente” e más sondagens que se
publiquem!
Amarrados ao passado, e ao que no presente vem desse passado,
mergulhados no pântano da exploração capitalista, subservientes
perante os mandantes imperiais na opressão dos povos e
renitentes a qualquer mudança que ponha em causa a
permanência do seu domínio, os media do capital não querem
ouvir, tapam todos os sentidos a quem lhe quer falar do futuro, do
socialismo e do comunismo, do seu país e do seu povo, com
seriedade, coerência e apelando à racionalidade. Mas não há
rocha que impeça a semente de germinar e a raiz de crescer, e a
árvore de ver a luz do sol. Nem que tenha que rebentar o granito.
Contrariamente ao que escreve MC, o PCP não é um partido “duas
vezes fora do tempo”, mas, seguro e certo, um partido à frente do
seu tempo! No presente, um partido do futuro e com futuro.
(1) “O Partido duas vezes fora do tempo”, Público, 15FEV24.
(2) Para evitar confusões, as iniciais de nomes e de jornais
correspondem MC, Manuel Carvalho; AC, António Capinha; PP,
Pacheco Pereira; PML, Pedro Marques Lopes; JM, José Mendes;
VR, Vítor Rainho; DL, Domingos Lopes e FR, Fernando Rosas; P,
Público; JN, Jornal de Notícias; V, Visão; DN, Diário de Notícias e
iN, iNovo.
(3) Artigo do Diário de Notícias de 07OUT23: “O princípio da
causalidade está na base de quase três milénios de pensamento
científico. Esse é, portanto um valor europeu de alcance universal,
que foi impiedosamente atacado na esfera mediática ocidental com
a guerra na Ucrânia. Os mass media deste lado do mundo
caracterizaram a invasão russa da Ucrânia como uma “agressão
não-provocada (unprovoked)”. Não bastava condenar a óbvia
violação do Direito Internacional, era preciso varrer todos os
acontecimentos ocorridos desde o colapso pacífico da URRS em
1991, e o início da guerra de 2022. Tornou-se suspeito analisar 30
anos de diplomacia de Moscovo contra os sucessivos
alargamentos da NATO para Leste, ou os seus reiterados protestos
a partir de 2008, sobre a linha vermelha que a entrada da Ucrânia
para a Aliança Atlântica representaria para a segurança russa
(criando pela proximidade geográfica, uma situação análoga à dos
mísseis de Cuba para os EUA em 1962).”
(4) Artigo do Jornal de Negócios de 30MAR23: “No passado dia 24
de Fevereiro não se assinalou um ano da guerra da Ucrânia, tal
como os governos e media ocidentais referiram. Tratou-se do 9º
ano de guerra. E isso faz uma grande diferença. A guerra começou
com a violenta queda do presidente ucraniano Viktor Yanukovych
em fevereiro de 2014, um golpe que foi ostensivamente – e
veladamente também – apoiado pelo governo dos EUA. Desde
2008 que os EUA pressionavam a NATO no sentido do seu
alargamento à Ucrânia e à Geórgia. O golpe de 2014, que
derrubou Yanukovych, esteve ao serviço da NATO.”
(5) Artigo na Revista do Expresso de 23FEV24: “(…) os Estados
Unidos e outros países ocidentais, principalmente o Reino Unido,
seguem há quase um século uma política externa intervencionista,
militarista e antidemocrática que ignora, em grande parte, os
interesses dos povos do Médio Oriente. Na verdade, as decisões
ocidentais têm sido historicamente motivadas pelo desejo de
reverter o comunismo e garantir o domínio do capitalismo liberal.
(...) A estratégia do Ocidente tem sido um fracasso colossal e este
legado irá atormentar o nosso mundo durante muito tempo.”
(6) Carta electrónica de Paquete de Oliveira de 19MAI15:
“Agradeço a carta que me enviou. Interpreto tem a finalidade de
transmitir-me a sua posição e sentimento em relação a uma
diferente atenção que o PÚBLICO deveria dar a textos de autoria
de personalidades ligadas ao PCP, como acontece relativamente a
outros autores identificados com outros partidos ou movimentos.
Uma vez que diz que acompanha os meus textos da página - o que
me dá um conforto - pois tenho por personalidades do seu Partido,
como é o seu caso, grande respeito, com certeza já reparou que
mais de uma vez já notei que o PÚBLICO deveria equilibrar com
textos dessa proveniência partidária mais espaço.”
2 comentários:
Todos os comentários,MC,FR,PP etc só serão compreensíveis se vistos pelo prisma de analistas comprometidos,politica ou monetariamente,pois carecem na sua totalidade de inteligência ou visão holística,sem a qual nunca poderão produzir análises coerentes e sérias.
O parte lamentável é sabermos que eles sabem( pelo menos 2 deles tem inteligência suficiente para isso)que estão deliberadamente a ser intelectualmente desonestos.
Certíssimo
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