Maj General Raul Luís Cunha
" Penso
que já deve ser óbvio para toda a gente que a guerra na Ucrânia
constitui uma verdadeira catástrofe que provavelmente não irá terminar
tão cedo e, quando terminar, o resultado final não vai ser uma paz
duradoura. Vejamos então como foi que o Ocidente acabou por se encontrar
nesta terrível situação.
A argumentação
tradicional da maioria dos dirigentes e “sabichões” ocidentais sobre as
origens da guerra é que Putin lançou um ataque não provocado em 24 de
Fevereiro de 2022, motivado pelo seu grande plano de criar uma Rússia
ainda maior. A Ucrânia, assim o pintam, era o primeiro país que ele
pretendia conquistar e anexar, mas não seria o último. Mas, em
alternativa a esse delírio visionário e como já muitos e bons repetiram
em várias ocasiões, não há quaisquer evidências a sustentar essa linha
de alegações e, pelo contrário, há provas consideráveis que directamente
a contradizem.
A realidade foi que, em 2021,
ucranianos e americanos já tinham decidido tentar a recaptura da Crimeia
pela força (o que projectaram para o final do inverno seguinte) e para
esse efeito começaram a concentrar as tropas ucranianas na frente do
Donbass, procederam ao fornecimento maciço de armamento e ao treino de
combate acelerado dos regimentos ‘azov’ e do exército. Entre 16 e 23 de
Fevereiro e obviamente no âmbito de uma grande operação militar em
perspectiva, foram intensificados de forma exponencial os
bombardeamentos sobre Donetsk e Lugansk. O objectivo da operação (à
semelhança do que foi feito na operação "Tempestade" na Croácia em 1995)
seria rapidamente tomar o controlo de todo o território ucraniano na
posse dos separatistas, sem que os russos tivessem tempo de reagir. Em
face desta possibilidade, a reação russa teve de ser planeada e
executada à pressa – decidiram surpreender os ucranianos tomando a
iniciativa de serem os primeiros a atacar e em cerca de dez dias
reconheceram a independência das repúblicas separatistas e estabeleceram
com as mesmas os legítimos acordos de cooperação e operação militar à
luz do direito internacional.
Embora não haja
dúvidas de que, na prática, a Rússia invadiu a Ucrânia, a causa final e
principal desta guerra foi de facto a decisão do Ocidente – e neste caso
referimo-nos principalmente aos Estados Unidos – de fazer da Ucrânia um
baluarte ocidental na fronteira da Rússia. O elemento fundamental dessa
estratégia era a entrada da Ucrânia para a OTAN, um acontecimento que
Putin e os seus acólitos, e os deputados de todos os partidos do
espectro político russo, viam unanimemente como sendo uma ameaça
existencial que teria de ser eliminada.
Esquecemo-nos
frequentemente que um grande número dos que conceberam as políticas e
de estrategas, americanos e europeus, se opuseram à expansão da OTAN
desde o início, porque entendiam que os russos a veriam como uma ameaça e
que essa política acabaria levando ao desastre. A lista dos que se
opuseram inclui George Kennan, o Secretário da Defesa do Presidente
Clinton, William Perry e o seu Chefe do Estado-Maior Conjunto, general
John Shalikashvili, Paul Nitze, Robert Gates, Robert McNamara, Richard
Pipes e Jack Matlock, apenas para citar alguns.
Na
cimeira da OTAN em Bucareste, em Abril de 2008, quer o Presidente
francês Nicolas Sarkozy quer a Chanceler alemã Angela Merkel se opuseram
ao plano do Presidente George W. Bush de trazer a Ucrânia para a
Aliança. Merkel disse mais tarde que a sua oposição se baseou na sua
crença de que Putin interpretaria esse facto como uma “declaração de
guerra”.
É agora claro que aqueles que se opunham
à expansão da OTAN estavam correctos, mas infelizmente perderam esse
debate e a OTAN avançou para o leste, o que acabou por levar os russos a
desencadearem esta guerra. Se os Estados Unidos e os seus aliados não
tivessem actuado de forma a procurarem trazer a Ucrânia para a OTAN em
Abril de 2008, ou se tivessem estado dispostos a acomodar as
preocupações de segurança de Moscovo, depois de ter rebentado a crise na
Ucrânia em Fevereiro de 2014, provavelmente não teria acontecido a
actual guerra na Ucrânia e as fronteiras desta estariam ainda como eram,
quando do seu acesso à independência em 1991. O Ocidente cometeu um
erro colossal, pelo qual todos nós e muitos outros mais, ainda iremos
pagar severamente." Facebook
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