Dois textos a ler
1) A TASS deu conta hoje de uma declaração de Putin numa reunião de trabalho do Conselho da Segurança russo em que é referido poderem estar em andamento planos para usar uma unidade militar conjunta polaca-lituana-ucraniana como força de ocupação nos territórios ucranianos ocidentais, e quaisquer forças polacas que entrarem em Lviv certamente permanecerão lá.
"Não posso deixar de comentar o que acabou de
ser dito [pelo diretor do Serviço de Inteligência Estrangeira da Rússia
(SVR), Sergey Naryshkin] e sobre os relatórios de imprensa que surgiram
sobre os planos para criar uma chamada unidade polaco-lituana-ucraniana.
Não estamos a falar aqui numa tripulação heterogênea de mercenários -
já existem muitos deles lá [na Ucrânia] e eles estão sendo destruídos -
mas sim sobre uma formação militar regular, bem oleada e bem equipada
que está planeada para ser usada em operações no território da Ucrânia",
disse Putin.
"Em particular [isso está sendo
feito] supostamente para garantir a segurança da Ucrânia ocidental
contemporânea, mas na verdade - se você chamar as coisas por seus nomes
próprios - para a ocupação subsequente desses territórios. Afinal, a
perspectiva futura é óbvia; se unidades polacas entrarem em Lviv, por
exemplo, ou em alguns outros territórios na Ucrânia, elas vão lá
permanecerão. E permanecerão lá para sempre", acrescentou.
Aulas de história para a Polónia
Segundo
o chefe de Estado russo, “isto não representará nada de novo”,
lembrando que após a derrota da Alemanha e das outras Potências Centrais
na I Guerra Mundial, as unidades polacas ocuparam Lviv e terras
adjacentes, que faziam então parte da Áustria-Hungria.
"Instigada
pelo Ocidente, a Polónia aproveitou a tragédia da Guerra Civil Russa
para anexar certas províncias historicamente russas. Nosso país, que
então passava por um período difícil, foi forçado a assinar o Tratado de
Riga em 1921 e reconhecer de fato a alienação de seus próprios
territórios", observou Putin.
Além disso, mesmo antes de 1920, a Polónia conquistou parte da Lituânia - a região de Vilna, que inclui a atual Vilnius.
"Juntamente
com os lituanos, eles [os polacos] estavam supostamente a lutar contra o
chamado imperialismo russo, mas assim que surgiu a oportunidade, eles
imediatamente “esculpiram” um pedaço de terra de seu vizinho", observou o
presidente russo. Ele ainda referiu como "a Polónia também participou
da divisão da Checoslováquia resultante do acordo de Munique com Hitler
em 1938", ocupando completamente Cieszyn Silésia.
"Nas
décadas de 1920 e 1930, os chamados Kresy Wschodnie da Polónia
['Eastern Borderlands' em polaco - TASS] - e isso inclui o território do
oeste da Ucrânia, oeste da Bielorrússia e parte da Lituânia - foram
submetidos a uma dura política de polonização e assimilação forçada dos
residentes locais, [incluindo a] supressão de culturas étnicas e do
cristianismo ortodoxo", observou Putin.
Ele lembrou
que uma política tão agressiva acabou para a Polónia com a perda da
independência nacional e do estado em 1939, que mais tarde foram
restaurados "em grande parte graças à União Soviética". Além disso, "os
territórios ocidentais da atual Polónia foram um presente de Stalin aos
polacos. Nossos amigos em Varsóvia esqueceram-se disso? Vamos
recordar-lhes", acrescentou
o líder russo. Facebook de A. Abreu
2) TRIUNFO DA "NOVA EUROPA"
Viriato Soromenho Marques
O
futuro de Portugal está umbilicalmente ligado ao destino, semeado de
incertezas e riscos, da União Europeia. Gostaria de propor três ideias
para a reflexão dos leitores.
Primeira ideia: a
guerra entre a Rússia e uma Ucrânia apoiada pela OTAN, veio não só
enfraquecer abissalmente o lugar, real e simbólico, da UE na política
internacional, como contribuir para um vasto redesenhar da relação de
forças entre os Estados-membros dentro da UE. A guerra provocou uma
acelerada militarização da agenda europeia (à custa de políticas
ambientais, climáticas e sociais) e uma total subordinação da quase
totalidade dos países europeus à voz de comando dos EUA.
John
J. Mearsheimer, o lúcido e corajoso herdeiro de Hans Morgenthau na
Universidade de Chicago, escreveu recentemente que "os aliados europeus
recebem as suas ordens de marcha de Washington quando se trata da
Ucrânia".
A atual
militarização europeia não tem qualquer relação com o reacender dos
esforços próprios para constituir uma Europa da Defesa, na linha da
malograda Comunidade Europeia de Defesa (1952-1954) ou da desaparecida
União da Europa Ocidental (criada em 1955).
A
militarização em curso permite-nos passar à segunda ideia: a parceria
imaginária entre as duas potências, EUA e UE, deu lugar a uma relação de
clara vassalagem da segunda perante a primeira. Na verdade, tanto Biden
como Trump exigem uma defesa europeia conformada ao quadro exclusivo da
OTAN, devendo os países subir o orçamento da defesa para 2% do PIB, ou
preferivelmente mais. O governo da coligação semáforo, que hoje se senta
em Berlim, deu o exemplo. Mal a guerra começou, Scholz fez aprovar uma
lei especial de meios de 100 mil milhões de euros (o dobro do orçamento
militar germânico médio dos últimos anos).
Um
exemplo da sua aplicação: os aviões de combate Tornado, da Força Aérea
(nascidos de uma parceria entre Itália, Reino Unido e Alemanha), vão ser
substituídos por uma generosa encomenda à Lockheed Martin de 35
aparelhos F-35 Lightning II. Basta consultar as compras europeias em
curso para perceber como o "complexo militar-industrial" -- que o
presidente Eisenhower denunciava no seu discurso de despedida (17 01
1961) como um perigo para a democracia estadunidense -- é hoje um feroz
ator global.
O domínio
dos EUA sobre a UE é vasto e poroso. Há uma semana, Ursula von der Leyen
tentou impingir como economista-chefe da DG da Concorrência, uma
académica dos EUA, Fiona Scott Morton, que já havia desempenhado funções
num governo de Obama. Se tivermos em consideração o impacto negativo na
indústria europeia causado pela recente legislação protecionista de
Washington, com apoios diretos às empresas no setor das energias
renováveis (desde que as aquisições sejam feitas a empresas sediadas nos
EUA), ficamos perplexos por esta insólita proposta da presidente da CE.
Perante protestos no PE e de alguns ministros franceses, Scott Morton,
sensatamente, recusou o convite.
Terceira
e última ideia: politicamente estamos a assistir à derrota da Velha
Europa, assim batizada por Donald Rumsfeld em março de 2003, liderada
por Paris e Berlim, que teve a ousadia de não ser cúmplice da invasão do
Iraque pelos EUA e aliados de ocasião. Hoje, com a França em convulsão e
a Alemanha em rota declinante, o centro de gravidade vai para Leste,
tendo a desafiante Polónia como campeã do atlantismo. É nesta inóspita e
volátil União que vamos habitar, se, entretanto, a guerra não virar o
tabuleiro da história mundial.
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