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25 de agosto de 2024

O programa de guerra mundial de Kamala

 Lembrar 

"Aos oprimidos é permitido uma vez a cada poucos anos decidir quais representantes específicos da classe opressora devem representá-los e reprimi-los."

Infelizmente, se formos depender do poder público, a participação popular nas decisões sociais fica limitada apenas ao voto. Esse é uma ação que, embora importante, não deve ser a única forma de se fazer uma real democracia.

É essencial que o povo tenha mais voz e poder de transformação, indo além da simples escolha de representantes, pessoas que em sua maioria seguem os mesmos planos de dominação e opressão propostos pelas elites. "

Dois textos a ler sobre as eleições na grande oligarquia americana
 1 ) Patrick Martin


WSWS

extratos

A Convenção Nacional Democrata de quatro dias culminou quinta-feira com o discurso de aceitação da vice-presidente Kamala Harris como candidata do Partido Democrata à presidência.

No geral, a convenção consistiu numa série interminável de discursos sem sentido, hosanas a Harris que falsificaram completamente a sua carreira como promotora de direita, declarações de bilionários de que Harris seria um “presidente da alegria” e invocações constantes do “histórico”. natureza da elevação de uma mulher afro-americana (multimilionária) e asiático-americana à presidência.

Os democratas têm procurado substituir a política pelo entretenimento, com uma série de celebridades de Hollywood e da música pop apoiando Harris.

No entanto, o verdadeiro conteúdo das políticas que propõem emergiu no discurso de encerramento da candidata: um programa de escalada da guerra mundial.

Harris disse: “Como comandante-chefe, garantirei que a América tenha sempre a força de combate mais poderosa e letal do mundo. » Quanto a quem esta força irá lutar, Harris não deixou dúvidas, referindo-se à China, Rússia, Coreia do Norte e Irão, os mesmos países que a administração Biden-Harris tem como alvo num  novo documento  que delineia a estratégia dos EUA no caso de uma futura guerra mundial nuclear.

Como qualquer discurso importante proferido por um político capitalista americano, o discurso de aceitação de Harris foi dirigido a dois públicos. Para Wall Street e o aparelho de inteligência militar, a verdadeira base do Partido Democrata, Harris prometeu continuar a política externa militarista da administração Biden para defender os interesses globais da aristocracia financeira americana

Ela era uma pessoa segura, proclamou ela, ao contrário do pouco confiável e egoísta Trump – um tema ecoado no último dia da convenção por uma série de oradores de direita, desde o ex-secretário de defesa e diretor da CIA, Leon Panetta, até uma série de Republicanos que agora apoiam Harris, até um trio de funcionários da inteligência militar que agora ocupam assentos como Democratas na Câmara dos Representantes.

Embora a breve referência de Harris ao sofrimento da população palestiniana de Gaza tenha sido destacada nos meios de comunicação social – e será sem dúvida saudada como uma mudança significativa pelos apologistas da pseudoesquerda do Partido Democrata –, ocorreu depois de ela ter reiterado categoricamente o seu compromisso intransigente de fornecer apoio ilimitado aos EUA. ajuda militar a Israel: “Sempre defenderei o direito de Israel de se defender e sempre garantirei que Israel tenha a capacidade de se defender. »

Por outras palavras, mais bombas e mísseis para matar mais dezenas de milhares de pessoas em Gaza e potencialmente na Cisjordânia, no Líbano, no Iémen, no Irão e noutros países da região alvo do imperialismo.

Para o público em geral, Harris fez uma série de promessas demagógicas sobre a melhoria dos padrões de vida, o fortalecimento da rede de segurança social e a defesa dos direitos democráticos, como o direito ao aborto.

Mas é impossível combinar os gastos colossais necessários para a guerra mundial com a manutenção de programas sociais como a Segurança Social, o Medicare, o Medicaid, os vales-refeição e o Head Start. Há sessenta anos, o presidente democrata Lyndon Johnson tentou combinar “armas e manteiga” durante a Guerra do Vietname, mas foi derrotado com um golpe contundente. Uma presidente como Kamala Harris nem sequer tentará. As suas promessas de melhoria social são uma retórica eleitoral cínica que será abandonada em 6 de Novembro, se não antes.

SETH HERALD/REUTERS

1. Por quatro dias, e sobretudo noites, foi o maior espectáculo da Terra. O espectáculo de como a América que se crê multirracial, ecuménica, compassiva, farol da liberdade e dos direitos galvanizou uma audiência com esses valores ao mesmo tempo que dava cabo deles:

1) dentro da própria arena da Convenção Nacional Democrata (DNC, na sigla original), onde o partido recusou insistentes pedidos para que alguma voz palestiniana-americana ou sobre Gaza subisse ao palco;

2) lá fora, onde milhares de pessoas apelavam a esses testemunhos e ao embargo de armas, incluindo 30 delegados eleitos em representação de 700 mil eleitores democratas que se declararam não-alinhados com um candidato à partida, e tinham expectativa de serem ouvidos;

3) em Israel, onde oportunamente aterravam mais 20 biliões em ajuda americana, e o diligente Antony Blinken representava pela 9.ª vez a farsa do cessar-fogo iminente.

Devia fazer-se uma versão Blinken da máxima sobre a história que se repete como farsa. A cara compungida de quem aperta a mão a Netanyahu pela 9.ª vez, como se nos dissesse: sim, eu sei que é um canalha. E mais uma vez a notícia é que o canalha lhe tirou o tapete. Hum. Referem-se ao canalha a quem Blinken deu com uma mão 20 biliões enquanto com a outra lhe exigia o cessar-fogo? De facto, é uma pressão insuportável. Nem se percebe como Netanyahu resiste a ela.

O que se passa desde 7 de Outubro, e atingiu o cúmulo esta semana, é que o governo Biden-Harris continua a premiar com ouro o maior crime do nosso tempo. Um ouro que sai do bolso dos americanos. Com uma mão premeia, com a outra puxa o gatilho. A guerra só é possível porque os EUA a fazem. E a isso chamam trabalhar “incansavelmente” pelo cessar-fogo. Como Biden disse a abrir a convenção, e Kamala repetiu no fim, quando aceitou ser candidata a presidente da “maior democracia da História do mundo”.

2. Lembram-se dos muitos Democratas que se recusaram a ir ao Capitólio ouvir Netanyahu? Pois agora estavam em Chicago e recusaram-se a dizer no palco: vamos parar de mandar bombas para Gaza. Incluindo o candidato a “vice” Tim Walz, que muita gente quis ver como a escolha mais progressista possível de Kamala. Incluindo Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez. Alexandria ainda pior que Bernie. Porque Bernie esteve aquém do mínimo no palco, mas falou com um peso. Não me soou a falso como Alexandria, que tem sido uma desilusão contínua. Como Obama me soou a falso. O que não o impediu de “electrificar” a convenção, para usar o adjectivo de vários media americanos.

Cobri como repórter as duas convenções americanas da segunda eleição de Clinton. Muitos anos depois, atravessei o Atlântico para estar no Harlem na noite da eleição do primeiro presidente negro dos EUA. Chamava-se Barack Obama, foi inesquecível. Ao contrário do que depois ele não fez no Médio Oriente. E agora, ao ouvi-lo no palco a seguir a Michelle, pareceu-me mais remoto ter ido à América por ele do que aquelas convenções dos anos 1990, quando não havia Internet nem telemóveis, e mandávamos reportagens de cabines telefónicas.

Em Agosto de 2024, ao fim de mais de dez meses de extermínio, Barack Obama não disse uma palavra sobre Gaza. Como se fosse um assunto externo, ou irrelevante. Como se não fosse o elefante na sala, ou porque era o elefante na sala. Então, tudo o que Obama não disse revelou Obama.

A convenção Democrata foi assim um espectáculo duplo, na verdade. Havia o espectáculo e havia a farsa que Gaza revelava a cada discurso, em cada decisão.

O primeiro electrificou a audiência que só quer uma pílula de Gaza. Não quer acordar com cabeças de bebé rebentadas. Não quer pensar que milhares de crianças morreram de forma horrível, centenas de milhares estão a morrer, e todas as outras nunca mais estarão bem. Que esta guerra trouxe de volta a pólio a Gaza. A pólio paralisa até os músculos vitais para respirar, como os Democratas da América poderiam aprender, ou lembrar, se tivessem aceitado ouvir, por exemplo, Tanya Haj-Hassan, pediatra americana que fez várias missões em Gaza, e foi a Chicago para dar testemunho, mais uma vez. Mas não havia lugar para ela no palco. Como não houve para nenhum descendente de palestinianos. Houve lugar para o candidato a primeiro-cavalheiro, o judeu americano Doug Emhoff, falar da sua infância de classe média em New Jersey, como ia de autocarro para a escola hebraica, como Kamala o incentivou a abraçar a luta contra o anti-semitismo. Mas não houve lugar para os também judeus pelo embargo, contra o genocídio, que se sentaram lá fora, naquelas intermináveis horas entre quarta e quinta-feira, porque não queriam desistir de esperar que fosse possível alguém levar Gaza ao palco.

O espectáculo lá dentro não era o deles. Era o de quem não os ouve. Tal como não vê os 100 sacos de plástico transparentes com pedaços de carne e ossos dos palestinianos mortos no ataque de Israel à escola, no sábado em que publiquei a última crónica sobre as torturas nas prisões israelitas. A propósito, anteontem o tribunal revelou mais detalhes sobre os soldados acusados de violação (leiam no Haaretz).

3. Vi os 37 minutos de Kamala Harris antes de começar esta crónica. Choro estupidamente com filmes feitos para chorar. E chorei naqueles 37 minutos, em que alguns talvez tivessem sido feitos para chorar, começando com a mãe que veio da Índia, e rimava com a mãe de Michelle. Mães não-brancas, bravas, lutando pelas suas crias na América. Como não chorar com elas e por elas? Não subestimo por um minuto o quanto Kamala fará muita diferença na vida de milhões de mulheres na América. E milhões de imigrantes, pessoas não-brancas. Muita diferença comparada com Trump, uma diferença decisiva. Como não? A história de cada mulher na América que tiver, ou não tiver, direito a aborto seguro é também minha.

Mas se chorei a ouvir Kamala foi porque cada frase dela revelava o quanto as pessoas de Gaza não estavam incluídas nela.

“Acredito que toda a gente tem direito a segurança, dignidade e justiça.” Sim?

“No nosso sistema de justiça, um mal feito a alguém é um mal feito a todos.” Realmente?

“Ninguém deve ter de lutar sozinho. Estamos todos juntos nisto.” De facto.

Kamala diz que sempre apoiará o direito de Israel a defender-se. Que vai “assegurar sempre que Israel tenha a capacidade de se defender”. E ainda: “Estamos a trabalhar para acabar com esta guerra, de forma a que Israel esteja seguro, os reféns sejam libertados, o sofrimento em Gaza acabe, e o povo palestiniano veja cumprido o seu direito a dignidade, a segurança, a liberdade e a autodeterminação.” A convenção aplaudiu. Para muita gente, terá sido bastante. Porque falou de Gaza, porque falou em autodeterminação — ao fim de 76 anos.

Eu vi e ouvi uma mulher filha de uma indiana e de um jamaicano dizer, mais uma vez, que as vidas palestinianas não contam o bastante. Não tanto como as dos 109 reféns de que falaram o pai e a mãe israelitas convidados para o palco.

América: como é pouco o bastante quando não se trata dos teus. E como é miserável que ao fim de 76 anos estejamos aqui, a assistir a isto. O Estado que a Europa ajudou a criar para se ver livre dos judeus e da culpa de os ter morto e perseguido. O terror de Estado que a América financia e arma. O que acontece a um Estado quando tudo lhe é permitido. O que acontece à humanidade quando isso acontece.

Todas, todos, nós: testemunhas.

Após dez meses de extermínio (com bombas americanas), o grande palco dos Democratas americanos recusou qualquer voz da Palestina. E o embargo de armas

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