Linha de separação


9 de agosto de 2024

Uma leitura sobre o ódio na Venezuela - e não só

 O discurso de ódio político tem acompanhado as estratégias de mudança de regime, aplicadas contra os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Faz parte das operações psicológicas que procuram gerar mudanças de atitude na população antes de grandes eventos políticos, como eleições.

No caso das eleições presidenciais, a campanha de ódio resultou em acusações e perseguições que levaram a ataques físicos, a um clima de assédio e a mecanismos de pressão psicológica. Entre os ataques mais significativos registados está o ataque à estação de rádio comunitária “Radio Venceremos”. Em 30 de julho, um grupo de encapuçados destruiu o equipamento da estação e espancou violentamente cerca de 20 pessoas, pelo menos duas ficaram gravemente feridas.

As redes sociais foram usadas como veículo de instigação para a violência pós-eleitoral e o direcionamento das ações a nível local, ataques a vizinhos e líderes comunitários, e a nível internacional com pedidos de invasão militar e o assassinato de políticos venezuelanos.

José Garcés, mestre em psicologia e professor da Universidade Internacional de Comunicações comentou que “o ódio é como jogar brasas com a mão. Se você pegar um carvão em brasa e atirá-lo noutra pessoa, obviamente você a machuca, mas também se machuca." O ódio tem consequências fisiológicas, psicológicas e de cidadania, mas à escala social, gera uma tremenda agitação, uma rutura e perda de identidade com os objetivos e regras sociais existentes”. Gera um sentimento de medo-raiva, imprimindo o medo à pessoa em que se deseja gerar aversão. O veículo deste processo são as redes sociais e os media alinhados.

As campanhas de ódio fazem parte das operações psicológicas, uma metodologia de guerra, a guerra psicológica. No Ruanda, o ódio foi incitado na população levando a uma guerra que deixou um milhão de pessoas mortas. Um exemplo recente está em andamento no Reino Unido, onde tumultos e uma caça aos imigrantes foram provocados por uma notícia falsa, culpando um imigrante muçulmano por um assassinato múltiplo.

Nerliny Carucí, jornalista científica e psicóloga social venezuelana, contextualizou que a guerra imperialista está associada a uma implantação de propaganda intensa e muito agressiva, “as formas, os métodos e os efeitos vêm ocorrendo há mais de duas décadas, e isso prejudicou a vida do povo venezuelano, fazendo com que muitos vissem o seu país como um deserto, sem conquistas, uma imagem que os fez querer distanciar-se dessa pátria”.

A dimensão psicológica desse tipo de guerra vai para além da polarização política “levando o país a um ponto crítico de irritabilidade no qual todos os setores, tanto o chavismo quanto a oposição, têm um déficit de coexistência real”. A propaganda do ódio visa a “promoção de condições para uma sociedade mentalmente afetada deixar de raciocinar, respondendo a partir dos instintos mais básicos”.

Das consequências da guerra psicológica destaca-se a irritabilidade e rigidez psicológica, ligada à disseminação de boatos e acusações sobre determinadas pessoas vistas como inimigos a serem eliminados, usando expressões que estimulam o ódio e o ressentimento. Gera-se um comportamento intolerante, com a convicção absoluta de que se tem o monopólio da verdade, não sendo capazes de refletir ou dialogar com quem pense de forma diferente.

Na Venezuela a campanha desenfreada (as sondagens...) em torno de Edmundo González e María Corina Machado gerou expectativas que desencadearam altos níveis de frustração e raiva nos grupos de oposição, expressos em ameaças de morte, ações violentas e crimes de ódio.

"As ações de guerra psicológica desumanizam as vítimas, um passo apenas para aos crimes de ódio”. Estas ações foram precedidas por uma campanha acusando os chavistas de serem “assassinos”, “cruéis”, “narcotraficantes”, “paramilitares”, “criminosos”, “comunistas”, “repressores”, “bajuladores”, “cúmplices da ditadura”, etc.

Essa “ausência de humanidade”, legitima agressões contra pessoas de chavismo, dentro e fora da Venezuela. “É o pano de fundo das narrativas mediáticas para posicionar como "aceitáveis" e até "necessários" os crimes de ódio – a aplicação de sofrimento extremo, ataques, cercos, assassinatos físicos ou simbólicos – contra indivíduos e grupos específicos aos quais é negado terem direitos”.

Outros especialistas, como Iginio Gagliardone, argumentam que o discurso de ódio envia uma mensagem que divide e isola partes da sociedade. Ao mesmo tempo, funciona como mecanismo de coesão para seus emissores, reforçando o senso de pertencer a um grupo.

Os ataques a espaços e símbolos ligados ao chavismo, incluindo estátuas, farmácias populares, prefeituras, sede do Poder Eleitoral, delegacias de polícia, centros de assistência social, casas do PSUV, entre outros, procuram gerar a sensação de que a oposição é uma maioria esmagadora. Soma-se a isto uma componente “popular” que estigmatiza os líderes das comunidades “por serem cúmplices de uma fraude”, criminalizando esse setor político.

Em novembro de 2017, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a Lei Constitucional contra o Ódio, pela Coexistência Pacífica e pela Tolerância para evitar a hostilidade gerada por expressões que promovem o preconceito ou a intolerância.

É uma questão política e de psicologia social, além de ética. Não temos mais tempo para ficar olhando os sintomas: temos a responsabilidade de identificar as causas e trabalhar para mudar o estado de medo, angústia, ansiedade e solidão existencial gerado pelo modelo capitalista e seu esquema imperial”. (Nerliny Carucí)

Fonte: https://misionverdad.com/venezuela/una-lectura-profunda-sobre-el-odio-en-venezuela

Sem comentários: